Repensando o vínculo jurídico obrigacional:
Uma reflexão diante da inadimplência voluntária e do conceito de
responsabilização social
por Renata Cristina
Othon Lacerda de Andrade
Resumo: Para atender a necessidade de garantias
creditícias no cumprimento das obrigações, o desenvolvimento da teoria da
responsabilidade social passa a representar uma ferramenta mais eficaz na
operação jurídica da reparação de danos, provocados por inadimplemento
voluntário, especialmente em razão da despatrimonialização fraudulenta por
parte do devedor. O afastamento da ideia clássica de obrigação como vínculo
jurídico entre credor e devedor, substituída pela noção de obrigação como
processo, que subordina os sujeitos da obrigação ao dever mútuo de cooperação,
na busca do fim comum, que é o adimplemento da prestação, permite, ainda mais
facilmente, a efetivação dessa teoria, sobretudo diante dos novos princípios
contratuais que decorrem da ideologia jusfilosófica do Estado social: boa-fé
objetiva, equivalência material e, especialmente, função social dos pactos.
Palavras-chave: Obrigação. Inadimplência. Responsabilidade
social.
Abstract: Not obligation as a legal
relationship between creditor and debtor. Notion of obligation as a process.
Volunteer default. Social responsability. Contractual principles from the legal
philosophy of the welfare state ideology: objective good-faith, material
equivalence, and social function of the covenants.
Keywords: Obligation. Default.
Social responsibility.
Sumário: Introdução – 1 A evolução do direito
obrigacional em três fases históricas 2 O vínculo jurídico obrigacional e o
dever de prestação – 2.1 Responsabilidade patrimonial do devedor – 2.2
Mecanismos de prevenção e repressão ao inadimplemento voluntário – 2.2.1 A
responsabilidade solidária e sua efetivação mediante os contratos de seguro – 3
Conclusões – Referências.
INTRODUÇÃO
O tema que ora se propõe como objeto
deste estudo visa trazer uma reflexão pragmática do direito das obrigações, sob
o ponto de vista das garantias que o Direito pode oferecer ao credor da
adimplência que se espera do devedor, diante de um débito voluntariamente
constituído entre ambos, também, e, sobretudo, em face do arcabouço doutrinário
construído pelas diversas legislações ocidentais ao longo dos vários séculos
que separam as primeiras lições sobre o direito das obrigações, legadas pelos
romanos, até a moderna civilística-constitucional.
A abrangência do tema é inerente à
própria ideia de obrigação, tendo em vista que as relações jurídicas advindas
das obrigações têm fontes diversas: dos fatos jurídicos lícitos e dos atos
jurídicos ilícitos, envolvendo então situações que podem criar obrigações
tributárias, familiares, contratuais (estas subdvididas em civis, empresariais,
de consumo e trabalhistas), como também obrigações que decorrem do dever geral
de conduta de não lesar outrem – princípio do neminem leadere,
que fundamenta a teoria da responsabilidade civil, seja ela contratual ou
extracontratual. Estudado o fenômeno sob o aspecto dual de sua constituição, a
responsabilidade ganha destaque neste breve estudo das obrigações.
Enfim, as obrigações, sistematizadas
desde o direito romano há milênios, encontram-se presentes em todos os diversos
ramos do Direito moderno, justificando a escolha deste breve estudo, como um
tema sempre atual e inquietante, sobretudo e, mais ainda, em razão da
inadimplência voluntária do devedor que frustra a expectativa do credor em ver
cumprida a prestação por aquele assumida. A frustração da execução do pagamento
forçado pelos inúmeros artifícios utilizados pelo devedor/executado no intuito
claro de desvencilhar-se de sua dívida, é, sem sombra de dúvida, um dos maiores
problemas do sistema jurídico obrigacional.
Em dados divulgados no mês de
setembro de 2010, o índice de inadimplência do consumidor cresceu 11,5% em
agosto do mesmo ano, em comparação com o mesmo mês do ano anterior, tendo sido
apontado como causas deste crescimento as compras realizadas pelos consumidores
nos meses de junho e julho de 2010, em produtos de valor elevado, para
acompanharem a Copa do Mundo de Futebol, evento esportivo ocorrido em julho de
2010, principalmente tvs e telões de última geração[1].
Assim, o desafio de coibir a
inadimplência e prevenir danos patrimoniais ao credor através do
desenvolvimento de mecanismos e institutos jurídicos continua sendo o aspecto
mais difícil do direito das obrigações. A reflexão aqui proposta é uma tímida
contribuição ao reconhecimento das dificuldades práticas de cumprimento da
promessa do Direito em bem proteger o credor, especialmente aquele de boa-fé.
1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO
OBRIGACIONAL EM TRÊS FASES HISTÓRICAS
Não se há de olvidar que a
civilização romana foi grande responsável pela organização do moderno mundo
ocidental, como hoje se conhece. O povo romano desenvolveu uma sociedade
extremamente organizada, orientada por normas e regras que serviram de fonte
para diversos países europeus, ainda muitos séculos após a queda do império
romano, graças à codificação realizada sob o Império de Justiniano, no século
VI a. C. O próprio sistema civilístico brasileiro é oriundo do direito
romano-germânico, o que explica o retorno, sempre salutar, ao estudo do direito
romano para compreensão de institutos hoje desenvolvidos pelo legado daquele
povo. É o que se pode afirmar do estudo das obrigações.
A referência de que no direito romano
não havia o uso da expressão obrigação como se conhece hoje é usual:
“o equivalente histórico teria sido a
figura do nexum (espécie de empréstimo), que conferia ao
credor o poder de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação, sob
pena de responder com seu próprio corpo, podendo ser reduzido, inclusive, à
condição de escravo” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 40).
Nas Institutas de Justiniano, a
obrigação é um vínculo jurídico pelo qual o devedor fica compelido pela
necessidade de pagar ao credor qualquer coisa, segundo os direitos da cidade
romana (DINIZ, 2007, p. 27). Neste sentido, a interpretação que dada originou a
reparação de danos pelo sistema da reponsabilização pessoal do devedor, podendo
o credor ter direito sobre aquele, sobre seu corpo ou até dispor de sua vida. A
correção dessas ideias se deu com Paulo, quando defendeu que “a substância da
obrigação não consiste em fazer nosso um corpo qualquer, ou nossa uma servidão,
mas em levar em relação a nós a dar, fazer ou prestar qualquer coisa” (DINIZ,
2007, p. 27-28).
Considerando a obrigação como um
dever jurídico primário e a responsabilidade como um dever jurídico secundário,
embora acidental, o aspecto dual do instituto leva ao corolário lógico do seu
estudo combinado:
“Traçada, em síntese, é esta, pois, a
evolução da responsabilidade civil no direito romano: da vingança privada ao
princípio de que a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos, à medida
que se afirma a autoridade do Estado; da primitiva assimilação da pena com a
reparação, para a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade
penal, por insinuação do elemento subjetivo da culpa, quando se entremostra o
princípio nulla poena sine lege. Sem dúvida, fora dos
casos expressos, subsistia na indenização o caráter de pena. Mas os textos
autorizadores das ações de responsabilidade se multiplicaram, a tal ponto que,
no último estágio do direito romano, contemplavam, não só os danos materiais,
como também os próprios danos morais”. (DIAS, 2006, p. 29-30).
O modelo estabelecido pelos romanos
atravessou séculos, tendo sido aprimorado com o passar do tempo. O deslocamento
da noção de responsabilidade pessoal para o patrimônio foi uma consequência
econômica de reparação, desenvolvida sobretudo no direito moderno. Na vigência
do Estado Moderno, sobretudo com as grandes codificações, como a monumental
obra francesa, conhecida como o Código de Napoleão, datado de 1804, a reparação
por danos recaía sobre o patrimônio do devedor: “os bens do devedor são a
garantia comum de seus credores” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 41). Além
disso, os danos que, muito embora não gerassem um prejuízo material, visível e
palpável, deveriam ser coibidos pela lei; assim, “a actio doli exigia
a culpa caracterizada. No direito francês evoluído, a reparação independe da
gravidade da culpa do responsável” (DIAS, 2006, p. 30).
No Brasil, como em outros países do
mundo ocidental, por volta do último quartel do século XX, houve uma verdadeira
revolução no pensamento jurídico-ideológico, que impulsionou intensa
transformação na criação e aplicação de institutos jurídicos, especialmente no
direito das obrigações, com o estabelecimento dos paradigmas da solidariedade
social e da dignidade da pessoa humana (FACCHIN, apud LOBO, 2005, p. 3), o que levou
Paulo Lobo a afirmar: “a ideologia do social, traduzida em valores de justiça
social ou de solidariedade, passou a dominar o cenário constitucional do século
XX” (LOBO, 2005, p. 5). Esse fenômeno atingiu ainda mais profundamente a figura
do contrato, apontado como a maior fonte do direito obrigacional do mundo
moderno, senão em importância, certamente em números, haja vista o capitalismo
reinante na sociedade de consumo, que se realiza no ter, através das mais
variadas formas de contratação.
Essa constatação foi também percebida
pelo jurista alemão Franz Wieacker, que apontou três características básicas da
mudança do individualismo liberal para o Estado social, estabelecida nos moldes
da relativização dos direitos privados pela função social; da vinculação
ético-social de tais direitos; e do recuo do formalismo do sistema do direito
privado clássico do século XIX (apud LOBO, 2005, p. 6).
Assim, deu-se a regulamentação do
contrato como meio de circulação de bens e serviços, constituição, manutenção
ou extinção de direitos, nos limites de suas respectivas funções sociais. Sobre
o tema, afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “Para nós, a
função social do contrato é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo
indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo
efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem comum.” (2008,
p. 49).
Neste mesmo sentido, já havia Orlando
Gomes se pronunciado na década de oitenta do século anterior:
“O fenômeno da contratação passa por
uma crise que causou a modificação da função do contrato: deixou de ser mero
instrumento do poder de autodeterminação privada, para se tornar um instrumento
que deve realizar também interesses da coletividade. Numa palavra: o contrato
passa a ter função social.” (apud GOMES, 2008, p. 49).
Vê-se que a preocupação do Direito
atual com relação ao direito contratual diz respeito aos limites de seu
conteúdo, quanto ao cumprimento da sua função social, em um primeiro momento,
aliado ainda à existência e manutenção da equivalência material e a presença da
boa-fé objetiva. Estes os pilares da moderna doutrina contratual.
Entende-se equivalência material como
o princípio que se desenvolve em dois aspectos distintos: o subjetivo e o
objetivo.
O aspecto subjetivo leva em conta a
identificação do poder contratual dominante das partes e a presunção legal de
vulnerabilidade. A lei presume juridicamente vulneráveis o trabalhador, o
inquilino, o consumidor, o aderente de contrato de adesão. Essa presunção é
absoluta, pois não pode ser afastada pela apreciação do caso concreto. O
aspecto objetivo considera o real desequilíbrio de direitos e deveres
contratuais que pode estar presente na celebração do contrato ou na eventual
mudança do equilíbrio em virtude das circunstâncias supervenientes que levem à
onerosidade excessiva para uma das partes. (LOBO, 2007, p. 94).
Trata-se, portanto, a equivalência
material, de evitar a excessiva onerosidade que fundamentaria enriquecimento
sem causa, no mais das vezes dano origem à resolução do contrato por
inadimplência voluntária, por absoluta impossibilidade real de prestação. Já o
princípio da boa-fé objetiva tem fundamento ligeiramente diverso:
“O princípio da boa-fé objetiva exige
que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, como
também durante a formação e o cumprimento do contrato. Guarda relação com o
princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria
torpeza. Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário,
ser provada por quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a
relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao
contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades
dos usos e costumes do lugar”. (GONÇALVES, 2010, p. 54).
Esta tríade principiológica esteia a
moderna estruturação do direito contratual, todavia é paradoxal que, apesar de
todo o complexo mecanismo desenvolvido, os prejuízos que emanam da
inadimplência cresçam junto com o desenvolvimento desses institutos. Isso
porque a satisfação do crédito depende, no mais das vezes, da vontade do
devedor em adimplir a obrigação.
2 O VÍNCULO JURÍDICO OBRIGACIONAL
E O DEVER DE PRESTAÇÃO
Classicamente, o vínculo jurídico é
tido como “o dever primário do sujeito passivo de satisfazer a prestação e o
correlato direito do credor de exigir judicialmente o seu cumprimento,
investindo contra o patrimônio do devedor, visto que o mesmo fato gerador do
débito produz a responsabilidade” (DINIZ, 2007, p. 38). É o conceito dual de
vínculo jurídico como debitum e obligatio.
Diante disto,
“o poder atribuído ao credor de
exigir judicialmente o cumprimento da prestação confere ao vínculo obrigacional
o atributo da coercibilidade, distinguindo-se dos vínculos puramente morais,
isto é, dos meros deveres de consciência, cujo inadimplemento é incapaz de
gerar qualquer coação jurídica” (BARROS, 2007, p. 28).
Não obstante a ideia jurídica de
coerção, antes de tudo a vinculação que surge entre credor e devedor é também
ética e moral, no sentido subjetivo e íntimo de cada cidadão de fazer o que é
correto; de cumprir os ditames da retidão pela satisfação de fazer o bem. O
cumprimento dos deveres obrigacionais deve ser, precipuamente, um dever moral
de conduta. Esta conduta, valorada juridicamente, se traduz hodiernamente pelo
dever de lealdade no direito contratual, conclamado pelo princípio da boa-fé
objetiva, como já visto, mas também traduzido pelos deveres de prestar
informações corretas, com a garantia de compreensão dos efeitos das obrigações;
de manter o sigilo sobre dados da obrigação contraída, quando o for de sua
natureza; de não agir contra os atos próprios (LOBO, 2007, p. 81-100).
Rechaçando o conceito clássico de
vínculo jurídico obrigacional, Paulo Lobo defende a relação jurídica como
processo, movimentada “na direção indicada por seu fim, que é a satisfação do
crédito, pelo adimplemento ou outros modos de sua extinção. É ele que dá
coerência e sentido ao conjunto de elementos que constituem a obrigação” (LOBO,
2007, p. 64-65). E completa, ainda, o mesmo autor: “O inadimplemento frustra o
seu fim, redirecionando o curso processual para obtê-lo de outro modo, ou
compensar a demora, incorporando-lhe acessórios, como juros moratórios e
cláusula penal” (LOBO, 2007, p. 64-65). Ao concordar com a ideia de obrigação
como processo, na esteira de juristas como Karl Larenz e Clóvis do Couto e
Silva, aponta o rompimento da ideia tradicional de vínculo, legada pelos
romanos, em razão desta expressar uma situação estática incompatível com o
dinamismo atual do fenômeno obrigacional (COUTO E SILVA, apud LOBO, 2007, p.
63). Assim, neste sentido, Paulo Lobo sistematiza a obrigação como processo em
cinco fases: a pré-negocial, a formação da obrigação, o desenvolvimento da
obrigação, o adimplemento ou equivalente e a pós-negocial (2007, p. 64).
Presentes em todas elas devem estar os deveres de probidade e lealdade,
reveladores da boa-fé objetiva, como preconiza o Código Civil de 2002, em seu
art. 422.
De outra parte, o conceito romano de
sujeição do devedor ao credor, por ocasião da constituição da obrigação, está
estreitamente ligado à sua responsabilização pelo inadimplemento voluntário,
permitindo a execução forçada por meio da ideia coercitiva do vínculo jurídico.
Sob o viés da obrigação como processo, essa noção de sujeição dá lugar ao dever
de cooperação, referido por Paulo Lobo como um dever geral de conduta, não
apenas como efeito secundário de deveres acessórios decorrentes da obrigação:
“dever geral de conduta que transcende a prestação devida para determinar a
obrigação como um todo” (LOBO, 2007, p. 103). Assim, no entendimento do mesmo
autor:
“O dever de cooperação resulta em questionamento
da estrutura da obrigação, uma vez que, sem alterar a relação de crédito e
débito, impõe prestações ao credor enquanto tal. Assim, há dever de cooperação
tanto do credor quanto do devedor, para o fim comum. Há prestações positivas,
no sentido de agirem os participantes de modo solidário para a consecução do
fim obrigacional, e há prestações negativas, de abstenção de atos que
dificultem ou impeçam esse fim.” (LOBO, 2007, p. 103).
Esse é um pensamento que inspira
profundo respeito e, em que pese a denominação de dever, revelando como tal uma
imposição, não afasta, todavia, a ideia de cooperação como colaboração de todos
em busca de um fim comum. Parece mesmo que o problema da prestação não está
apenas no modelo de sujeição do devedor, mas no fato desse mesmo sujeito
obrigado adimplir voluntariamente a sua prestação ou não. Isso fica ainda mais
claro diante do sistema patrimonial de responsabilização, que prevê a perda de
bens do inadimplente como consequência fatal de sua impontualidade.
Deve-se notar que quanto mais
afastada a ideia de dever que une devedor a credor, diante do vínculo
teleológico constituído pela obrigação assumida, mais próxima ela está de uma
aparente relativização de deveres, na medida em que insere desde já a obrigação
como um processo que depende da cooperação dos sujeitos. Nessa esteira de
pensamento, poder-se-ia chegar a uma falsa ideia de fragmentação do dever de
prestação, como se houvesse uma escolha por parte do devedor em cumprir ou não
a sua conduta, sem que isso resultasse em qualquer consequência. Não sem razão
os bons doutrinadores apontam as diferenças entre dever, obrigação e estado de
sujeição, como indicado a seguir:
“Em sentido mais estrito, situar-se-á
a ideia de obrigação, referindo-se apenas ao dever oriundo à relação jurídica
creditória (pessoal, obrigacional). Mas não apenas isto. Na obrigação, em
correspondência a este dever jurídico de prestar (do devedor), estará o direito
subjetivo à prestação (do credor), direito este que, se violado – se ocorrer a inadimplência
por parte do devedor - , admitirá, ao seu titular (o credor), buscar no
patrimônio do responsável pela inexecução (o devedor) o necessário à satisfação
compulsória do seu crédito, ou à reparação do dano causado, se este for o
caso.” (HIRONAKA, apud TARTUCE, 2007, p. 36).
Para Francisco Amaral, tal direito do
credor é um direito potestativo, “poder que a pessoa tem de influir na esfera
jurídica de outrem, sem que este possa fazer algo que não se sujeitar” (apud
TARTUCE, 2007, p. 38). Assim,
“o estado de sujeição constitui um
poder jurídico do titular do direito (por isso é denominado potestativo), não
havendo correspondência a qualquer outro dever. Há apenas uma sujeição
inasfatável, não havendo a possibilidade de o direito potestativo ser violado.
Pode-se ainda afirmar que o estado de sujeição traz sem eu conteúdo uma
subordinação, contra a qual não se pode insurgir ou manifestar discordância,
tendo em vista um pré-estabelecimento anterior, não havendo qualquer sanção.”
(TARTUCE, 2007, p. 39).
É verdade que existem obrigações
inexigíveis absolutamente, como as obrigações morais (dívidas prescritas,
obrigações constituídas com objetos ilícitos, por exemplo) e há outras que na
pragmática jurídica também a estas se assemelham, como as obrigações de fazer,
pois se o sujeito obrigado se recusar à prática do ato que assumira como
prestação, em muitos casos não poderá jamais o julgador obrigar a tal
cumprimento, resultando ao final na extinção da obrigação mediante o pagamento
das perdas e danos. Cite-se como exemplo o contrato em que “A” se obriga
perante “B” a pintar uma parede; se “A” se recusa ao cumprimento, “B” poderá
mover contra aquele ação de obrigação de fazer com pedido de astreintes, uma
multa diária até o efetivo cumprimento da tarefa. Ao fim, insistindo “A” em não
realizar o feito, converter-se-á a prestação em pecúnia, uma indenização pelos
prejuízos experimentados por “B”. Diante disto, embora possa o credor pleitear
indenização, nada se pode fazer para exigir o cumprimento efetivo da prestação.
E o mais grave nisso é quando o devedor, na hipótese, “A”, sabendo ser despido
de patrimônio, recusa-se ao cumprimento da prestação, levando o credor ao
processo indenizatório, no qual ficará o mesmo sem ressarcimento, diante da
ausência de bens para satisfação do débito.
O elemento acidental da
responsabilização se dá apenas diante do inadimplemento voluntário do devedor,
porém nem mesmo isto é uma garantia efetiva para o credor. Mais do que nunca, é
preciso contar com a boa-fé dos sujeitos contraentes.
2.1 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL
DO DEVEDOR
A noção de responsabilidade advém da
própria ideia de obrigação, contendo a palavra “a raiz latina spondeo,
fórmula conhecida, pela qual se ligava solenemente o devedor, nos contratos
verbais do direito romano” (DIAS, 2006, p.4). (grifos do autor). Neste sentido,
“a violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase
sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o
de reparar o dano” (CAVALIERI FIHO, 2010, p. 2). Assim, para ambos os autores a
responsabilidade nada mais seria do que o dever secundário de reparação que
decorre da não observância do dever primário de cumprir a prestação da
obrigação.
Entretanto, a fórmula da
responsabilização jurídica não nasceu assim; seu fundamento é moral, porque era
moral a própria responsabilidade nos primórdios da civilização. Que o diga José
de Aguiar Dias:
“Como a princípio fizemos notar,
os diferentes planos em que se desenvolve a atividade do homem, inclusive a
simples atividade da consciência, é que caracterizam os apectos da
responsabilidade. Todavia, uma visão de conjunto reduz a dois esses
aspectos: o jurídico e o moral.
Assinalar essa distinção não quer
dizer que a inclusão de um fato em um dois dois títulos o exclua do âmbito do
outro. Longe disso, a responsabilidade pode resultar da violação, a um tempo,
das normas, tanto morais, como jurídicas, isto é, o fato em que se concretiza a
infração participa de caráter múltiplo, podendo ser, por exemplo, proibido pela
lei moral, religiosa, de costumes ou pelo direito. Isto põe de manifesto que
não há separação estanque entre as duas disciplinas. Seria infundado sustentar
uma teoria do direito estranha à moral. Entretanto, é evidente que o domínio da
moral é muito mais amplo que o do direito, a este escapando muitos problemas
subordinados àquele, porque a finalidade da regra jurídica se esgota com manter
a paz social, e esta só é atingida quando a violação se traduz em prejuízo”. (DIAS, 2010, p. 7-8).
Em que pese o descrédito atual na responsabilização
moral, pelo enfraquecimento de seu conteúdo, suplantado pela responsabilização
jurídica, que cuida da reparação como corolário da imputação, não há como se
negar que a sociedade contemporânea carece de valores morais como paradigmas de
comportamento, no intuito de resgatar esse fundamento mesmo do direito. Agir
com retidão, fazer o que é correto, estabelecer códigos de conduta decorrentes
do neminem laederemais por convicção do que por imposição.
Embora romântica a ideia, ela não
deve ser abandonada em meio às complexas operações jurídicas do direito
pós-positivista; muito pelo contrário, o peso das normas principiológicas
dentro de um sistema jurídico como o que se apresenta no país o confirma. É
paradoxal, portanto, esse abandono da moral em relação ao direito.
Preocupados, então, com os prejuízos
causados por condutas danosas, os estudiosos do direito privilegiaram a noção
mais restrita da responsabilidade, desenvolvendo mecanismos de reparação,
através de sistemas de punição ou de pedagogia, conforme os estágios de
civilização das várias sociedades que atravessaram os séculos, desde o direito
romano.
Como visto, tendo sido ultrapassada a
fase em que o devedor respondia pessoalmente (no sentido estrito da palavra
“pessoa”), quando poderia vir a ser retalhado, morto, vendido como escravo ou
preso, insere-se como garantia do cumprimento efetivo da obrigação a
responsabilização patrimonial do inadimplente, na medida em que seus bens
poderiam ser confiscados pelo credor para venda em hasta pública, no intuito de
quitar o débito pendente. Tal sistema de responsabilização persiste nos dias
atuais, como modelo civilizado de compensação creditícia.
No direito brasileiro, tal está
regulamentado no art. 391 do Código Civil de 2002, que prevê respondam todos os
bens do devedor, no caso de inadimplemento voluntário da obrigação. Além das
excludentes, que decorrem do inadimplemento involuntário, como caso fortuito,
força maior, que excluem a responsabilidade do impontual, também alguns
inadimplementos voluntários a estes se assemelham, como a teoria da imprevisão,
a exceção do contrato não cumprido, a exceção do contrato parcialmente não
cumprido, em que tal descumprimento obrigacional é voluntário, porém
justificado em lei, pela conduta do outro contratante.
Situação complicada ainda a que
decorre de devedores cujo patrimônio se resumem a bens impenhoráveis, como
aqueles relacionados no art. 649 do Código de Processo Civil brasileiro, ou o
bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/90 e do arts. 1711 e seguintes do
Código Civil de 2002. Nestes casos, ficam os credores frustrados em suas buscas
pela satisfação do crédito, irremediavelmente.
Além disso, não se pode esquecer das
fraudes cometidas pelos devedores, no intuito de frustarem a execução por parte
de seus credores. Gladston Mamede, analisando o fato sob a ótica das fraudes
cometidas na partilha de bens por ocasião da ruptura do casamento mediante o
uso de empresas fantasmas, apresenta uma situação muito grave que vem ocorrendo
nos últimos tempos:
“Em sentido próprio, a
expressão offshore company, ou simplesmente offshore,
traduz uma sociedade que seja constituída no exterior. O mercado, contudo,
utiliza a expressão para referir-se especificamente às sociedades que são
constituídas em determinados locais no exterior, com regime fiscal benéfico
(ditos paraísos fiscais), com o objetivo de controlar ou participar
das atividades negociais no país. Para além dos aspectos fiscais de tais
operações, impertinentes a este estudo, esses ambientes com regime fiscal mais
benéfico são utilizados para fraudes societárias, certo que garantem liberdade
para o trânsito de capitais, incluindo o câmbio entre moedas, além de
mecanismos de proteção à identidade de investidores, incluindo titulares de
contas bancárias, quotas em fundos de investimento e, até, sócios e
administradores de sociedades negociais”. (MAMEDE; MAMEDE, 2010, p. 54).
Percebe-se aí a fragilidade com que
se coloca o credor diante do devedor, quando espera cooperação deste no
adimplmento de obrigações assumidas, diante do sistema de responsabilidade
pessoal e patrimonial adotados pelos sistemas jurídicos modernos.
Ao atribuir responsabilidade
patrimonial ao devedor pela quitação de seus débitos, deve a lei,
consequentemente, garantir o credor deste patrimônio, punindo com rigor atos do
devedor que venham a colocar em risco esta segurança creditícia, bem como
desenvolvendo mecanismos de prevenção aos danos, como sugerido a seguir.
2.2 MECANISMOS DE PREVENÇÃO E
REPRESSÃO AO INADIMPLEMENTO VOLUNTÁRIO
Historicamente, o homem sempre
necessitou relacionar-se, conviver em sociedade, é, por natureza, um ser
social. Dessas várias relações estabelecidas no cotidiano, um sem-número delas
está estruturada nos moldes regrados pelo Direito ao longo dos milênios,
configurando as obrigações. Assim, é possível afirmar que sempre houve uma
preocupação com o cumprimento dessas relações, com aplicação de instrumentos
normativos que pretendiam organizar a constituição, o desenvolvimento e a
extinção de obrigações, ao lado de mecanismo garantidores do cumprimento
efetivo das prestações.
Não é novidade, portanto, o problema
da inadimplência. Todavia, novos são os institutos criados pela ciência
jurídica para prevenir e reprimir esta inadimplência, conforme foram se
desenvolvendo mais largamente os estudos da responsabilidade civil e os meios
de efetivação de seus dispositivos.
Foi assim com a teoria da
responsabilidade civil subjetiva (que obrigava a compensação e a reparação do
dano causado por alguém em razão de condutas culposas), evoluída para os casos
de inversão do ônus da prova (em sentido geral, o ônus da prova é daquele que o
alega), seguida pela teoria da responsabilidade civil objetiva, cujo fundamento
é o risco de eventualmente determinada atividade causar um dano, mesmo diante
do cumprimento das regras de seurança. Essa evolução demonstra o grau de
maturidade dos jus civilistas em tentar proteger a vítima, mas não parou por aí
tal evolução. Mais recentemente, vem sendo desenvolvida a teoria da
responsabilidade solidária, como bem a sistematizou no Brasil Anderson
Schreiber:
“A solidariedade social
consubstancia-se, sem dúvida alguma, em um dos principais vetores do direito
contemporâneo. A influência dos ideais solidários e do reconhecimento do
caráter normativo do princípio da solidariedade social, por toda parte
difundido, provocou efeitos revolucionários em diversos setores do direito
privado, temperando sua histórica orientação liberal e individualista. Também
na responsabilidade civil, esta influência se fez sentir intensamente. Muito
além da costumeira alusão às hipóteses legais de responsabilidade objetiva, a
solidariedade social promoveu radical transformação na própria função atribuída
a este ramo jurídico, especialmente por meio de uma gradativa conscientização
de que o escopo fundamental da responsabilidade civil não deve ser a repressão
a condutas negligentes, mas a reparação dos danos”. (2007, p. 212).
Vê-se que a preocupação da doutrina
se desloca da culpa para o risco e deste para os danos, valorizando muito mais
os prejuízos efetivamente sofridos pela vítima do que como eles foram causados,
se por culpa de um agente ou se simplesmente decorreu de uma atividade
potencialmente perigosa. Isso, de fato, altera o sistema de responsabilização,
na medida em que outros sujeitos estarão relacionados como possíveis
responsáveis pela reparação do dano. A respeito de quem deve responder pelos
danos, responde o mesmo autor:
“Em outros termos: na esteira das
correntes mais difusas do pensamento atual, as decisões judiciais têm sido cada
vez mais influenciadas pela ideia de que todos somos culpados e
de que todos causadores de todos os danos sofridos em
sociedade – ideia de que, em última análise, caracteriza a própria filosofia
social do século XX, e que se tem infiltrado na aplicação da responsabilidade
civil, mas sem que o instituto tenha sido adaptado para perseguir o novo
resultado”. (SCHREIBER, 2007, p. 223). (grifos do autor)
Certamente, muitos que ainda não
ouviram falar de tal viés da teoria da responsabilidade civil, podem se
surpreender com os resultados que podem vir a ser alcançados em razão da
aplicação desta orientação, porém uma coisa é, sem sombra de dúvidas, correta:
coaduna-se perfeitamente com o estado atual do direito privado, quanto à defesa
de institutos de cunho social, que privilegiam o coletivo em detrimento do
individual. É este o espírito da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil
de 2002, as duas maiores leis que regulam todo o direito privado, sobretudo
diante da interpretação civil-constitucional que se faz hoje de seus institutos
jurídicos.
De toda sorte, não se pode dizer que
a ideia é totalmente estranha ao sistema jurídico brasileiro, haja vista as
disposições do Código Civil de 2002, que, ao tratar das obrigações do direito
de família, notadamente as alimentares, institui responsabilidade solidária
entre os vários parentes, indicados conforme suas classes na ordem sucessória.
Assim, estabelece que na impossibilidade dos pais de prestarem alimentos a seus
filhos, os avós são chamados a pagar, numa responsabilidade denominada no art.
1.696 de “extensiva”. Diria-se, então, subsidiária, com fundamento no princípio
da solidariedade. Neste mesmo sentido, o art. 1.697 que atribui aos irmãos,
bilaterais ou unilaterais, o dever de prestar de alimentos, na falta de
ascendentes, podendo-se constituir então uma responsabilização até solidária,
como extrai-se do art. 1.698, parte final: “sendo várias as pessoas obrigadas a
prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos
e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a
lide”.
Ainda, no caso do direito do
consumidor. Os fornecedores são responsáveis por defeitos ou vícios de produtos
ou serviços postos em circulação no mercado, seja por ocasião da fabricação ou
da venda; quando chamados à responsabilidade, os ônus decorrentes desse encargo
já terão sido repassados aos consumidores em geral, através dos preços
praticados nos serviços ou produtos. A diluição de custos pela manutenção da
atividade fornecedora é dividida entre todos.
Neste sentido, segue ainda mais
profundamente Anderson Schreiber:
“O que se pretende ressaltar aqui é,
na verdade, o crescente reconhecimento pela ordem jurídica de outros
instrumentos, diversos da responsabilidade civil, que podem ser opostos aos
danos injustos. Neste sentido, fala-se hoje, sobretudo, emprevenção e precaução de
danos. Por prevenção entende a doutrina toda e qualquer medida destinada a
evitar ou reduzir os prejuízos causados por uma atividade reconhecidamente
perigosa, produtora de risco atual, enquanto o conceito de
precaução estaria ligado à incerteza sobre a periculosidade mesma da coisa ou
atividade, ou seja, ao evitar ou controlar um risco meramente potencial. Na
mesma direção, fala-se, ainda mais recentemente, em risk management como
técnica que, somada à responsabilidade civil, buscaria identificar os pontos de
risco em cada estrutura organizacional e eliminá-los antes da produção de
danos”. (2007, p. 216). (grifos do autor)
O uso de tais mecanismos se faz
presente no país, embora ainda de forma tímida, como ocorre também com os
seguros obrigatórios, que pretendem garantir o ressarcimento dos prejuízos
sofridos pela vítima, na hipótese do próprio ofensor não o realizar. Também o
uso voluntário de seguros de responsabilidade civil vem crescendo no mundo
inteiro, diante das inúmeros hipóteses e situações que podem resultar em danos,
que independem de culpa do sujeito, pela modernidade e complexidade dos
aparatos tecnológicos que buscam atender os interesses da contemporaneidade,
tanto nas relações jurídicas contratuais como nas extracontratuais.
A solidariedade social pode se
efetivar através desses seguros, que dividem o peso da responsabilidade entre
mais de um sujeito, não utilizando como base a restrição do vínculo
devedor-credor, nos moldes tradicionais, ou da relação ofensor-ofendido, para
facilitar e garantir o ressarcimento do dano. Interessa, pois, a reparação dos
prejuízos: este é o foco a que se prende tal teoria.
2.2.1 A responsabilidade solidária e
sua efetivação mediante os contratos de seguro
Cada vez mais, nas relações jurídicas
contratuais e extracontratuais têm se recorrido ao contrato de seguro como
garantidor do ressarcimento de danos. Não se pode pensar, nos dias atuais, de
um indivíduo que adquira um automóvel e não proceda de pronto à contratação de
seu seguro de danos, antes mesmo que o veículo seja retirado da concessionária.
É um risco contratar um empréstimo elevado sem agregá-lo a um seguro de danos
que possa cobrir as prestações, na hipótese do consumidor sofrer um acidente ou
vir a falecer sem tê-lo ainda quitado. Não se pode mais exercer determinadas
profissões liberais sem o risco de um processo por danos morais ou materiais
por erro no exercício de uma tarefa, especialmente os engenheiros civis, os
médicos, os advogados. No caso desses últimos, teme-se o famoso dano moral em
razão da perda de uma chance de poder efetivar o direito do cliente pela perda
de um prazo, por exemplo.
Neste cenário, o recurso dos seguros
afigura-se imensamente atrativa. Contrata-se o seguro para se sentir seguro,
mesmo que não se vise de imediato ao recebimento da indenização, que só
ocorrerá por ocasião do sinistro. Assim, na teoria clássica civilista, o
contrato de seguro é aleatório. Para os empresarialistas, o contrato de seguro
é comutativo: a prestação se dá com o pagamento do prêmio e a contraprestação
se dá pela tranquilidade experimentada pelo segurado de que, se algo ocorrer, a
seguradora irá ressarcir seus prejuízos; assim, é a sensação de estar seguro
que é o serviço prestado pela seguradora. A indenização é elemento acidental do
contrato.
Seja o contrato aleatório ou
comutativo, o que importa é que, uma vez segurado, a tranquilidade é certa. Assim,
é uma garantia patrimonial a reparação de eventuais danos. Diante disto, os
seguros de danos e de responsabilidade civil passam a ocupar posição de relevo
no sistema de responsabilização social, como visto no item anterior.
Sabe-se que as fraudes não deixarão
de ser cometidas por aqueles que fazem da inadimplência voluntária uma fonte de
renda indireta, porém é certo que pela aplicação dos mecanismos apropriados, os
prejuízos experimentados por suas vitimas poderão vir a ser minimizados ou até
mesmo totalmente reparados.
3 Conclusões
A obrigação, tomada em seu conceito
clássico, de conformidade com os elementos subjetivos, objetivos e teleológico
(vínculo, elo de ligação), parece não ser, hoje, a melhor configuração de
relação jurídica obrigacional, especialmente quando confrontada com o sistema
de responsabilização civil. Em sua estrutura tradicional, a obrigação vincula
credor a devedor, estabelecendo uma estreita ligação entre os sujeitos, que se
obrigam a prestar o que foi pactuado ou determinado legalmente, um perante o
outro. Todavia, diante da possibilidade do inadimplemento voluntário, o
corolário da responsabilidade foi desenvolvido para assegurar a compensação dos
danos experimentados pela vítima da inexecução, sem, contudo, garantir tal resultado.
Esse estado de coisas levou a
doutrina juscivilista, desde a sistematização do direito obrigacional, no
direito romano, a pensar e implantar mecanismos de prevenção e repressão de
danos, sejam de ordem material ou moral. Assim, o sistema da responsabilidade
pessoal deu lugar à responsabilização patrimonial, inicialmente baseada no
estrito sentido da culpa, minimizada posteriormente pela inversão do ônus da
prova. Tendo sido verificada a insuficiência dessa teoria nos casos em que a
vítima não podia provar a culpa do ofensor, desenvolveu-se a teoria do risco,
resultando numa responsabilização objetiva, independentemente da verificação de
culpa.
Entretanto, ainda, os credores das
compensações de danos restavam insatisfeitos, ora em razão da despatrimonialização
involuntária, ora em razão da despatrimonialização voluntária, de seus
devedores. Nesses casos, o crédito não era mesmo satisfeito. Diante disso,
novamente a doutrina juscivilista foi conclamada a uma solução: a defesa da
responsabilização social, dividindo o devedor a responsabilidade pelo pagamento
do débito com outros sujeitos. Para compreender os novos contornos dessa
responsabilidade, lançou-se mão do conceito de obrigação como processo, nos
moldes do pensamento de Cláudio do Couto e Silva e Paulo Luiz Netto Lobo,
rompendo a ideia romana clássica de obrigação como vínculo de ligação entre
credor e devedor. Segundo este ponto de vista, a obrigação é uma reunião de
atos concatenados, voltados para uma finalidade em comum: o cumprimento da
prestação. Para tanto, credor e devedor estão sujeitos ao dever de cooperação
mútua. O descumprimento de tal dever resulta em reparação, se houver danos.
É, pois, nesse esteio que se insere a
responsabilidade social no âmbito das obrigações, sejam estas contratuais ou
extracontratuais. Anderson Schreiber, em obra notável, já havia estabelecido a
possibilidade de tal aplicação. Embora pareça novidade, já o sistema jurídico
brasileiro vinha autorizando este mecanismo de compensação, inclusive por
dispositivos legais, como a solidariedade social no direito de família, em
especial, na questão alimentar; na seguridade social; nos seguros obrigatórios;
na distribuição de riscos entre os sócios em razão das diversas formas de
organização societária, só para citar alguns.
Não se há de olvidar que a
responsabilidade jurídica é, antes de tudo, uma responsabilidade moral.
Considerando o enfraquecimento gradativo de um sistema de valores morais pela
suplantação de regras pré-estabelecidas que pretendem determinar condutas e comportamentos,
a sociedade contemporânea vem permitindo relegar ao passado condutas
espontâneas de cumprimento de obrigações, com fundamento tão-somente na retidão
de tal conduta. Do que não se pode exigir, não se revela também o interesse de
cumprir. As fraudes, verificadas em todas as camadas sociais, de menor ou maior
grau, revelam índices alarmantes de inadimplência e impunidade, expostos,
inclusive, em reportagens de jornal ou de televisão. A mídia nunca teve tantos
dados para apontar, em assuntos geralmente tratados nos ambientes destinados ao
estudo dos fatos econômicos. O mercado de consumo passou a ocupar lugar de
destaque, nesse sistema capitalista atual. E o Estado necessitou intervir mais
diretamente nas relações privadas, no intuito de coibir abusos e evitar crises
econômicas que pudessem ameaçar a segurança de um estado democrático de
direitos.
A ideia de um Estado social, vivido
no Brasil especialmente a partir do final do século XX, embora ainda não de
todo suficiente na efetividade das garantias oferecidas pela Constituição
Federal de 1988, demonstra a vontade de defender a paz social, fim último do
Direito. O Código Civil de 2002, ao inserir os princípios contratuais da função
social, da boa fé objetiva e da equivalência material dos contratos, reforçou a
ideologia jusfilosófica do Estado social, sobrepondo o interesse coletivo em
detrimento dos interesses privados e justificando, com razão, a consolidação da
responsabilização social como mecanismo de prevenção e reparação de danos.
Referências
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa
de responsabilidade civil. 9ª edição. São Paulo: Atlas, 2010.
DIAS, José de Aguiar. Da
responsabilidade civil. 11ª edição. Revisada, atualizada e ampliada de
acordo com o Código Civil de 2002 por Rui Berford Dias. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006.
DINIZ, Maria Helena. Curso de
direito civil brasileiro, v. 2. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA
FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, v. IV, tomo I. 4ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2008.
_______. Novo curso de
direito civil, v. II. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito
civil brasileiro, v. 3. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
GOMES, Orlando. Contratos.
Atualização por Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo
Marino. Coordenado por Edvaldo Brito. 26ª edição. Rio de Janeiro: GEN Grupo
Editorial Nacional e Método, 2008.
LOBO, Paulo Luiz Netto. Teoria
geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005.
MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda
Cotta. Separação, divórcio e fraude na partilha de bens. São Paulo:
Atlas, 2010.
SCHREIBER, Anderson. Novos
paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007.
TARTUCE, Flávio. Direito
civil, v. 2 – Direito das obrigações e responsabilidade civil. 3ª edição.
São Paulo: GEN Grupo Editorial Nacional e Método, 2007.
Nota:
[1] Informações divulgadas pela Band
Jornalismo, a partir da divulgação dos índices de inadimplência publicados do
Índice Serasa Experian de Inadimplência, extraídas do endereço:<www.band.com.br/jornalismo/economia/conteudo.asp?ID=10000034302>. Acesso em: 13 set. 2010
excelente artigo, mas há uma citação não referenciada:
ResponderExcluir“o poder atribuído ao credor de exigir judicialmente o cumprimento da prestação confere ao vínculo obrigacional o atributo da coercibilidade, distinguindo-se dos vínculos puramente morais, isto é, dos meros deveres de consciência, cujo inadimplemento é incapaz de gerar qualquer coação jurídica” (BARROS, 2007, p. 28).
este livro não consta nas referências