AS LACUNAS DA LEI E AS FORMAS DE APLICAÇÃO DO DIREITO
Júlio Ricardo de Paula Amaral
mestre em direito pela Universidade Estadual de Londrina e
advogado na região metropolitana de Londrina (PR)
mestre em direito pela Universidade Estadual de Londrina e
advogado na região metropolitana de Londrina (PR)
1 Introdução
Partindo-se
de um conceito não muito burilado, porém de grande alcance, aceitação e
utilização pelos juristas, que estabelece o direito como sendo um ordenamento
que visa regular a conduta humana de forma externa, bilateral e coercitiva,
subsume-se que, nos dizeres de KARL ENGISH, o direito se ocupa da vida(1).
Na
conformidade do tridimensionalismo do direito, preconizado aqui entre nós por
MIGUEL REALE, toda norma jurídica pressupõe um fato e um valor antecedentes à
sua elaboração. Que fatos seriam estes então? Obviamente os fatos da vida
humana, relevantes para o direito.
Tem-se,
pois, que o objetivo do direito, como ordenamento, é regular a vida e a conduta
de todo e qualquer indivíduo, através de um complexo de normas jurídicas gerais
e abstratas, pela sua própria natureza.
Então,
em decorrência das colocações acima, percebe-se que não há norma jurídica sem
finalidade. Toda norma foi editada, assim, para incidir e ser aplicada, tendo
em vista a valoração de fatos prévia e genericamente considerados. Sobre
a incidência e aplicação das normas jurídicas tratar-se-á oportunamente.
Há
que se considerar, mais uma vez, que não somente da vida e conduta das pessoas
se preocupa o direito, mas também com a atividade do Estado.
Considere-se,
ainda, em caráter propedêutico, que as normas jurídicas são elaborações, partindo-se
de situações genéricas e abstratas, a incidirem-se a casos específicos e
concretos. Por isso mesmo, do conceito de norma jurídica, pode-se extrair que a
lei é geral e abstrata.
Obviamente,
antes de aplicar a lei ao caso concreto que se lhe apresenta, cabe ao julgador
observar a hipótese de incidência, ou seja, analisar o sentido e o alcance
das expressões do direito(2) contidas na norma (Hermenêutica Jurídica), e,
após conhecidos e identificados tais termos e expressões, proceder à interpretação
jurídica, ou seja, revelar o sentido da norma.
Muito
embora não se trate do objeto deste estudo, mas pela sua íntima relação,
transcrever-se-á abaixo três conceitos, o primeiro acerca da hermenêutica
jurídica e outros dois acerca da interpretação jurídica, a saber:
Entende
CARLOS MAXIMILIANO que a hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a
sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance
das expressões do direito(3).
Para
CLÓVIS BEVILÁQUA interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as suas
palavras(4), e, nos dizeres de ESPÍNOLA, interpretação é a declaração
precisa do conteúdo e do verdadeiro sentido das normas jurídicas(5).
O
leitor já deve ter percebido, e há que ficar consignado, que este trabalho
preocupa-se com a aplicação do direito feita pelo juiz de direito, não como
um homem comum, mas como membro do Poder Judiciário(6). Diz-se isto,
eis que já se deve ter percebido, pela própria conceituação do tema – Aplicação
do Direito –, que todos durante a vida aplicam o direito, até mesmo nos
mais pequenos e singelos atos da vida, ou como diz MARIA HELENA DINIZ, o
juiz aplica as normas gerais ao sentenciar; o legislador, ao editar leis,
aplica a Constituição; o Poder Executivo, ao emitir decretos, aplica norma
constitucional; o administrador ou funcionário público aplica sempre normas
gerais ao ditar atos administrativos; simples particulares aplicam norma geral
ao fazer seus contratos e testamentos(7).
Assim
é que, como dito acima, neste estudo dar-se-á ênfase à aplicação do direito
feita pelo juiz de direito, ao ter de aplicar uma norma jurídica a um caso
concreto, a um fato da vida, sobre o qual a mesma incidiu, o que faz por meio
da subsunção desse fato à norma.
2 Aplicação do direito. Noções gerais
2.1
Conceito
Para
CARLOS MAXIMILIANO, a aplicação do direito consiste no enquadrar um caso
concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma
relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato
determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de
amparar juridicamente um interesse humano(8).
Já
para KARL ENGISH, a aplicação do direito é a determinação in concreto daquilo
que é realmente devido ou permitido, o que é feito de um modo autoritário pelos
órgãos aplicadores do direito, pelo direito mesmo instituídos, isto é, através
dos tribunais e das autoridades administrativas, sob a forma de decisões jurisdicionais
e actos de administração(9).
Entende
MIGUEL REALE que o termo aplicação do direito reserva-se, entretanto, à
forma de aplicação feita por força da competência de que se acha investido um
órgão, ou autoridade. Afirma, ainda, que a aplicação do direito é a
imposição de uma diretriz como decorrência da competência legal(10).
Segundo
VICENTE RÁO, a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de
adaptação dos preceitos nelas contidos e assim interpretados, às situações de
fato que se lhes subordinam(11).
Por
sua vez, em sua obra Tratado de Direito Privado, PONTES DE MIRANDA conceitua o
tema como sendo a aplicação do direito aos fatos sobre os quais a regra
jurídica incidiu, traçando um paralelo ou uma distinção entre os vocábulos
aplicação e incidência(12). Em sua obra Comentários à Constituição de 1946, o
autor chega a mencionar que a aplicação nada mais é do que a declaração de
uma incidência.(13)
2.2
Incidência e Aplicação do Direito
Pela
própria característica de generalidade e abstração da norma jurídica, tem-se a
incidência como característica marcante dela decorrente, uma vez considerada
esta como a atuação da norma aos casos e fatos específicos e concretos da vida.
Na diretriz dos dizeres de PONTES DE MIRANDA, a eficácia da norma é mesmo
incidir, e justamente sobre fatos específicos e concretos é que ela incide; e
seguindo a comparação do ilustre jurista, o contato da lei com os fatos seria
como o da prancha da máquina de impressão com o papel, deixando sua imagem
colorida em cada folha(14).
Vale,
aqui, destacar que incidência independe da vontade dos indivíduos; a estes cabe
respeitá-la, e assim, aplicá-la.
Assim,
tem-se que a incidência começa antes da aplicação, sendo a aplicação nada mais
do que a declaração de uma incidência. Então, somente depois da incidência é
que se pode cogitar da aplicabilidade da lei.
2.3
A forma pela qual a norma jurídica é aplicada – a questão do silogismo e da subsunção
Quando
se fala em aplicação do direito, no caso a aplicação feita pelo Estado-Juiz,
surge um delicado problema, qual seja, o confronto entre uma norma geral e
abstrata e um fato específico e concreto.
Ao
sentenciar, cabe ao juiz de direito adequar uma ou mais normas jurídicas a um
ou mais fatos particulares, observando a situação de incidência, interpretando
e, posteriormente, aplicando o direito.
Diante
disso é que surge a questão do silogismo e da subsunção. Para tanto, necessário
transcrever, ao menos singelamente, uma conceituação de silogismo e uma de
subsunção.
Para
GERALDO ATALIBA, a subsunção é o fenômeno de um fato configurar
rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se que um fato se subsume à
hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele
faz a lei(15).
Com
referência ao silogismo, tem-se este como um raciocínio lógico composto de três
proposições lógicas dispostas de tal maneira que a terceira, denominada
conclusão, é uma decorrência necessária das duas precedentes, chamadas
premissas.
Daí
uma corrente formalística do direito entender ser o ato da aplicação do direito
semelhante à estrutura de um silogismo, ou seja, o método seguido pelo juiz ao
sentenciar nada mais é do que o processo do silogismo, onde a norma jurídica
geral e abstrata seria a premissa maior, enquanto que o fato ou caso específico
e concreto a premissa menor, e a decisão da sentença a conclusão.
Neste
sentido, SERPA LOPES entende que o método pelo qual o juiz torna efetivo a
aplicação do direito é o lógico, pelo processo do silogismo. A esse respeito
são unânimes os juristas. Utilizando-se dessa operação lógica, o juiz procede à
subsunção da norma jurídica exata aos fatos que lhe são presentes, conhecido
previamente o sentido da primeira(16).
A
utilização deste esquema lógico, em si mesmo considerado, é bastante simples e
prático. No entanto, deve-se considerar que mesmo dentro da lógica a fragilidade
deste método dedutivo é bastante ressaltada, inclusive sendo ele de pouca
aplicabilidade, ou mesmo desaconselhável, para métodos científicos e pesquisa
de um modo geral.
A
fragilidade ou problemática desse procedimento dedutivo de silogismo, segundo
KARL ENGISH, reside justamente na correta constituição das premissas,
especialmente da premissa menor, uma vez que nela se acha sobretudo a já
muitas vezes mencionada subsunção(17).
Significa
dizer, sob pena de redundância, que a correta constituição das premissas é
fundamental para uma decisão justa, e ainda, que necessariamente, ocorrendo
premissa incorreta, incorreta seria a sentença.
Ocorre
ainda que, muitas vezes, o mesmo fato pode acarretar a incidência de várias
regras jurídicas, que devem ser aplicadas conjuntamente, o que por si já
poderia levar à confusão mental do julgador, acarretando a elaboração de
premissa incorreta. Neste sentido, deve-se também considerar que, não se
aplicam normas jurídicas isoladas, mas sim uma regulação global.
Assim
sendo, extrai-se que aplicação do direito não se reduz somente a uma questão de
lógica formal, implicando uma série de atos complexos e axiológicos.
Percebe-se, então, que antes de se chegar a fase de utilização do silogismo,
necessita o julgador proceder a análise preliminar do fato a fim de que possa
escolher a norma aplicável.
A
escolha da norma jurídica aplicável por si só já demanda uma análise cuidadosa
do sistema jurídico, do qual o aplicador do direito deve ter uma visão ampla,
além de buscar o apoio dos princípios gerais do direito, sem se falar na
questão da hermenêutica e da interpretação, já mencionadas anteriormente.
Então,
segundo CARLOS MAXIMILIANO, para se aplicar o direito é preciso examinar:
a) a norma em sua essência,
conteúdo e alcance; passando pela análise do sistema jurídico ao qual está
inserida, e também pela hermenêutica e pela interpretação; b) o caso concreto e
suas circunstâncias; c) a adaptação do preceito à hipótese em apreço(18).
Para
VICENTE RÁO, o juiz deve em primeiro lugar considerar a situação de fato em sua
individualidade completa, segundo o seu conteúdo de espírito e pensamento, e de
conformidade com o sentido que recebe no ambiente social em que se verifica,
despindo-a de qualquer definição jurídica(19).
Após
esta análise prévia, indaga o juiz se o fato, anteriormente examinado em si,
incide ou não na disciplina ou tutela do direito normativo e, incidindo, qual é,
ou quais são, a(s) norma(s) que lhe diz(em) respeito, à partir do que se estará
qualificando juridicamente o fato, uma vez que não mais o examina isoladamente,
mas em confronto com o direito. Procedendo desta forma, como diz VICENTE RÁO, o
juiz realiza, em primeiro lugar, o que denomina de diagnóstico do fato
e, em segundo lugar, o diagnóstico jurídico(20).
Outrossim,
como acentuou FERRARA, a actividade judiciária, porém, não se reduz ao
trabalho de subsunção dos factos à norma de direito(21), e,
conclusivamente, pode-se dizer, então, que aplicação do direito não se resume a
uma questão de lógica formal. E, na trilha e nos dizeres de MIGUEL REALE,
aplicação do direito é antes uma questão complexa na qual fatores lógicos,
axiológicos e fáticos se correlacionam, segundo exigência de uma unidade
dialética, desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova,
e continua o jurista, donde podemos concluir que o ato de subordinação ou
subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de
participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição e
prudência, operando a norma como substrato condicionador de suas indagações
teóricas e técnicas(22).
3 Questão das lacunas
3.1
Conceito
A
lacuna da lei é um vazio existente no ordenamento legislativo,
caracterizando-se assim, a inexistência de uma norma jurídica aplicada in
concreto.
Afirma
KARL ENGISH que a lacuna é uma incompletude insatisfatória no seio do todo jurídico(23).
Para
LUIZ REGIS PRADO, a lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em
relação a determinado caso. Em uma palavra, há uma incompleição do sistema
normativo(24).
3.1.1
Existência ou inexistência de lacunas. Auto-integração e heterointegração
Grande
número de autores não acreditam na existência de lacunas no direito, sendo que
outros já a admitem.
Sustentou
ZITELMANN que o ordenamento jurídico não tem lacunas, porque existe uma norma
complementar negativa que declara lícitas todas as ações condenadas
expressamente pelo direito(25).
Também
DONATI, nega a existência de lacunas no ordenamento jurídico, face à existência
de uma norma fundamental, derivada de disposições particulares, que permite
tudo o que não é proibido ou limitado por norma expressa ou por princípio
implícito no sistema jurídico positivo(26).
De
igual forma, KELSEN entende que o sistema é, em si mesmo, bastante, pois as
normas que o compõem, contém em si, a possibilidade de solucionar todos os
conflitos levados à apreciação dos magistrados ou órgãos jurisdicionais
competentes. Neste sentido, o autor afasta a idéia de existência de lacuna do
direito, fundando-se na premissa de que tudo aquilo que não está proibido,
está permitido, descrevendo isso como a liberdade jurídica negativa(27).
KARL
BERJBOHM, BRINZ e SANTI ROMANO defenderam a tese da inexistência de lacunas
no ordenamento jurídico, porque onde o referido ordenamento falta, falta o próprio
direito(28).
Segundo
CARLOS COSSIO, o ordenamento jurídico é pleno e completo, não contendo espaços
vazios de juridicidade. Ainda, segundo este jurista, o juiz é um elemento
integrante do ordenamento jurídico, por ser o órgão investido pelo Estado para
declarar a juridicidade – não há lacunas porque há juiz (29).
Os
autores retro mencionados, sustentando a tese de inexistência de lacunas,
servem-se do método de auto-integração do ordenamento jurídico.
A
auto-integração consiste na integração da norma feita por meio do próprio
ordenamento jurídico, dentro dos limites da mesma fonte dominante, sem precisar
recorrer a outros ordenamentos e com mínimo recurso a fontes diversas da
dominante(30).
O
método de auto-integração apoia-se em nos procedimentos da analogia e dos
princípios gerais do direito.
Ainda,
segundo BOBBIO, em contraposição, tem-se o método da heterointegração, este que
consiste no recurso a ordenamentos diversos, recorrendo a fontes diferentes
daquelas dominantes.
Também
em contraste ao método da auto-integração, o procedimento do costume, e, tendo
ainda, como principal procedimento, o poder criativo do juiz ou o chamado Direito
Judiciário.
De
outro lado, os autores que negam a existência de lacunas, admitem que a lacuna
é da lei (lacuna formal) e não do direito (lacuna material), já
que neste sempre haverá uma solução para o caso concreto.
Afirma
BRUNETTI que a lacuna existente é na lei, nos códigos, enfim, o que existe é lacuna
formal, jamais material(31).
Todavia,
o próprio legislador não foi capaz de prever tudo, exemplo disso é o Código
Civil Suíço de 1912, quando dispõe que:
nos casos não previstos, o
juiz decidirá segundo o costume e, na falta deste, conforme as normas que
estabeleceria que o legislador fosse, inspirado na doutrina e na jurisprudência
dominante.
Note-se
que o próprio legislador prevê o fato de que a lei não poderá conter
disposições que regulem todas as situações in concreto.
3.1.2
Espécies de lacunas
Os
autores que admitem a existência de lacunas, costumam fazer a sua classificação
em lacunas formais e materiais.
BRUNETTI
faz clara distinção entre ordenamento jurídico e ordenamento legislativo.
Menciona que o primeiro é expressão do direito vivo, não possuindo lacunas e
com a finalidade de corrigir as imperfeições do segundo. De outro lado, o
ordenamento legislativo é expressão da vontade do Estado, possuindo lacunas que
são supridas pelo ordenamento jurídico(32).
Sustenta-se
a tese de que existem tão somente lacunas formais, face à possibilidade, pela
analogia, costume, eqüidade e princípios gerais de direito, regular o caso
concreto não previsto expressamente, evitando assim, que o juiz se transforme
em legislador.
Em
menção à impossibilidade da previsão de todos os fatos concretos da vida,
conclui SERPA LOPES pela existência das lacunas na legislação. Porém, não
significando com isso, a existência de lacunas no Direito(33).
De
outro lado, no entender de KARL ENGISH, a lacuna do direito é uma imperfeição
insatisfatória dentro da totalidade jurídica. Menciona ainda, que a lacuna do
direito é uma deficiência do sistema jurídico(34).
As
lacunas do direito são deficiências do direito positivo, ou seja, as falhas de
conteúdo de regulamentação jurídica para determinadas situações de fato em que
é de se esperar essa regulamentação, sendo que tais falhas, postulam e admitem,
a sua remoção através de uma decisão judicial que integre a norma jurídica(35).
Outros
autores, ainda, entendem que o direito positivo tem lacunas materiais, as quais
somente podem ser preenchidas pela livre investigação científica do direito,
como GÉNY, ou pela livre interpretação do direito, como ERHLICH, KANTOROWICZ e
FUNK(36).
Diante
disso, é possível notar que existem duas correntes doutrinárias no sentido de
admitir, ou não, a existência de lacunas no direito, sendo que aqueles que as
admitem, subdividem-se naqueles que crêem em lacuna na lei (lacuna formal) e
lacuna no direito (lacuna material).
3.1.3
Suprimento das lacunas. Métodos de integração da norma jurídica
A
constatação da existência da lacuna, ocorre no momento em que o aplicador do
direito vai exercer a sua atividade e, não encontra no corpo das leis, um
preceito que solucione o caso concreto. Neste instante, estar-se-á constatando
a existência de uma lacuna.
Assim,
quando o juiz não consegue, pelos meios tradicionais de interpretação da lei,
descobrir um princípio aplicável ao caso não previsto, ou então, dentre as
fontes formais não possui uma ao caso a decidir, deve servir-se de outros meios
para a solução do caso concreto posto à apreciação do Judiciário, pois não pode
deixar de sentenciar pela inexistência de direito(37).
Porém,
a própria lei põe à disposição do aplicador do direito, os meios dos quais pode
se utilizar para o preenchimento da lacuna existente.
Confira-se
a disposição constante do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Somados
aos meios apontados acima como formas preenchimento das lacunas, a lei admite
ainda, outra forma, qual seja, a eqüidade(38).
O
Código de Processo Civil Brasileiro de 1939, em seu artigo 114, dispunha que quando
autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se
fosse legislador.
Neste
mesmo sentido, dispõe o Código Civil Suíço que o juiz aplica as regras do
direito e da eqüidade, quando a lei se reporta ao seu poder de apreciação ou o
incumbe de pronunciar tendo em conta as circunstâncias, ou os justos motivos.
Diante
do exposto, pode-se dizer que a própria lei admite a existência das lacunas,
trazendo em si, os meios próprios para o preenchimento destas, quais sejam, a
analogia, os costumes, os princípios gerais de direito e a eqüidade.
A
doutrina dominante entende que os meios de preenchimento das lacunas são
apresentados de forma hierárquica, não podendo o aplicador do direito
utilizar-se de forma indiscriminada de um dos meios, mas devendo-se valer deles
na ordem descrita pela lei.
4 Analogia
4.1
Considerações gerais
Tendo
em vista que o aplicador do direito não pode deixar sem resposta as questões
postas à sua apreciação e, não havendo uma norma jurídica que se encaixe de
forma específica ao caso concreto, o juiz deve se utilizar de meios adequados
para aplicar o direito.
Dentre
os métodos sugeridos pelo próprio legislar, encontra-se a analogia, podendo ser
utilizada para a constatação e suprimento das lacunas.
4.2
Conceito
Quando
vai se tratar da analogia, encontramos uma pluralidade de conceitos. Porém,
dentre esse emaranhado de conceitos de analogia, existe um ponto de consenso
entre os doutrinadores, qual seja, a existência da idéia de semelhança ou
similitude.
Afirma
MAXIMILIANO que a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não
prevista em Lei a disposição relativa a um caso semelhante(39).
Para
FERRARA, analogia é harmônica igualdade, proporção e paralelo entre relações
semelhantes(40).
No
entendimento de LUIZ REGIS PRADO, em relação ao mundo jurídico, quando faz-se
menção à analogia:
costuma-se fazer referência,
em geral, a um raciocínio ou procedimento argumentativo que permite transferir
a solução prevista para um outro determinado caso, a outro não regulado pelo
ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro, certos caracteres
essenciais ou a mesma suficiente razão, isto é, vinculam-se por uma matéria
relevante ‘simili’ ou a pari(41).
Ainda,
num conceito bem simples e de fácil compreensão de analogia, temos aquele
trazido por LARH, onde utiliza o raciocínio de que partindo da solução
prevista em lei para certo objeto, conclui pela validade da mesma solução para
outro caso semelhante não previsto(42).
Para
VICENTE RÁO, a analogia consiste na aplicação dos princípios extraídos da
norma existente a casos outros que não expressamente contemplados(43).
Por
fim, MARIA HELENA DINIZ entende que a analogia consiste em aplicar a um caso
não previsto de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma norma
prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado,
fundado na identidade do motivo da norma e não da identidade do fato(44).
Portanto,
note-se que o elemento comum entre os conceitos ora trazidos é a idéia de similitude
ou semelhança, entre casos abstratamente previstos e aqueles não previstos
em lei.
4.3
Fundamentos
De
forma geral, há um consenso entre os doutrinadores no que tange ao fundamento
da analogia, sendo que este reside no princípio da igualdade jurídica.
A
fundamento da aplicação da analogia é o princípio da igualdade, segundo o qual,
mutatis mutantis, a lei deve tratar igualmente os iguais, na exata
medida de sua desigualdade.
O
mencionado princípio, exige que os casos semelhantes devam ser regulados por
normas semelhantes.
Com
muita precisão, FERRARA menciona que o fundamento da analogia repousa sobre a
idéia de que os fatos de igual natureza devem possuir igual regulamento, sendo
que um fato já regulado por lei pode balizar outro, desde que haja similitude
entre ambos(45).
4.4
Distinções. Analogia, indução e interpretação extensiva
Não
há que estabelecer a confusão entre a analogia, a indução e a interpretação
extensiva.
A
lógica formal clássica tem a analogia como um procedimento conclusivo
imediato, ou seja, a conclusão é extraída de pelo menos duas premissas,
atribuindo validade para certo caso a outro que lhe seja similar.
De
outro lado, a indução consiste em generalizar um princípio determinado
para todos os casos de natureza semelhante, aquilo que é válido para um deles(46).
A
indução não exige apenas um juízo empírico de semelhança e um juízo de valor
sobre o caráter mais significativo da coincidência para efeitos jurídicos, mas
também, que diante da comparação e valoração se extraia um princípio geral(47).
Também,
a analogia não se confunde com a interpretação extensiva,
já que a primeira promove a integração da norma jurídica, e, a segunda, tem por
escopo a busca do sentido da norma jurídica.
A
fim de estabelecer mais clara distinção, menciona BOBBIO que diversos foram os
critérios elaborados para estabelecer a distinção entre analogia e
interpretação extensiva, porém, a única aceitável é aquela que visa o efeito de
ambos os métodos de integração.
Traz-se,
portanto, o ensinamento do brilhante mestre italiano, quando sepulta as dúvidas
acerca de tal matéria, afirmando que o efeito da analogia radica na criação
de uma nova norma jurídica e o efeito da interpretação extensiva vem a ser a
extensão de uma norma aos casos não previstos(48).
Portanto,
em que pese ter sido breve a exposição trazida, é possível estabelecer a
diferença entre analogia, interpretação extensiva e indução.
4.5
Espécies
Alguns
autores costumam estabelecer uma divisão em analogia, classificando-a em analogia
legis e analogia iuris.
De
outro lado, existem autores, dentre eles CALDARA, que mencionam não existir
qualquer interesse científico na distinção entre analogia de lei e analogia de
direito, já que o que a lei menciona é a analogia legis(49).
Porém,
trata-se das distinções trazidas pela grande maioria dos doutrinadores, quais
sejam, a analogia legis e a iuris.
A
analogia legis caracteriza-se pela aplicação de lei a caso semelhante
por ela previsto, ou seja, parte de um preceito legal e concreto, e faz a sua
aplicação aos casos similares(50).
De
outro lado, tem-se a analogia iuris, esta que se caracteriza pela
aplicação de princípios de direito nos casos de inexistência de norma
jurídica aplicável(51).
Para
TÉRCIO SAMPAIO DE FERRAZ JÚNIOR, a analogia iuris é uma espécie de
conjugação de dois métodos lógicos: a indução e a dedução. A partir de casos
particulares obtém-se uma generalização da qual resultam princípios os quais se
aplicam, então dedutivamente, a outros casos. É um raciocínio quase-lógico(52).
A
analogia do direito tem por finalidade a integração da norma jurídica com seus
meios próprios, partindo do pressuposto da coerência intrínseca do sistema(53).
FERRARA
afirma que o recurso aos princípios gerais de direito não é mais que uma
forma de analogia iuris. Porém, com a expressa manifestação, MAXIMILIANO
discorda do mencionado autor, já que este acredita ser possível a aplicação dos
princípios de forma direta(54).
Neste
sentido, PAULO DOURADO GUSMÃO manifesta o seu pensamento mencionando que seria
impossível confundir a analogia aos princípios gerais de direito, já que
naquela existe norma para um caso semelhante ao não previsto e, neste último,
não existe nenhuma norma expressa(55).
4.6
Requisitos
A
analogia, para ser aplicada, requer sejam observados alguns requisitos. No que
tange aos requisitos para a aplicação da analogia, a grande parte dos doutrinadores
culminam num consenso.
Porém,
antes disso, urge ressaltar que o pressuposto para a aplicação do direito por
meio da analogia é a existência de uma lacuna na lei.
Após
isso, passa-se a analisar os requisitos necessários para a aplicação da lei
através da analogia. É possível enumerar os requisitos da seguinte forma: 1º) o
caso deve ser absolutamente não previsto em lei; 2º ) deve existir elementos
semelhantes entre o caso previsto e aquele não previsto; 3º ) esse elemento
deve ser essencial e não um elemento qualquer, acidental.
Somente
após observados tais requisitos é que será lícito ao aplicador da lei valer-se
da analogia.
4.7
Limites
Uma
grande parte da doutrina entende que existem limites para a integração da norma
jurídica através da analogia. A regra é a aplicação da norma jurídica à ordem
de coisas para a qual ela foi estabelecida, sendo esta a regra. A exceção é a
sua aplicação de forma diversa.
Afirma
MAXIMILIANO que em dois casos não é possível a aplicação da lei através da
analogia: 1º ) no caso das leis de caráter criminal e; 2º ) nas de iure
singulare, cujo caráter excepcional, conforme a doutrina, não pode
comportar a decisão de semelhante para semelhante(56).
No
direito penal não se faz a aplicação da analogia, já que neste ramo de direito,
o que vige, é o princípio da legalidade: não há crime ou pena sem lei penal que
expressa e previamente os estabeleça(57).
CASTÁN
TOBENAS menciona que as normas de direito singular ou excepcional não são
suscetíveis de aplicação analógica, já que, sendo ditadas para casos
determinados, não se podem estender a casos diversos, nos quais deve atuar a
lei geral ou a alei comum(58).
4.8
Outros métodos de integração
Autores
como BOBBIO, DE RUGGIERO e CAPITANI, reconhecem que a analogia é o primeiro
remédio para preencher as lacunas formais do direito(59).
Após
a utilização da analogia e, não encontrada uma norma jurídica aplicável ao caso
concreto, o aplicador do direito deve socorrer-se de outros meios para a
integração da norma legal.
Passa-se,
portanto, a analisar mais um destes meios de integração da norma jurídica.
5 Costume
Entre
os doutrinadores existe um consenso quanto ao fato de que após a utilização da
analogia para a integração da norma jurídica, tendo restado infrutífera a
tentativa, passar-se-á a recorrer aos costumes como meio de integração.
5.1
Considerações gerais
Há
de se mencionar que a lei não negou a força dos costumes, apenas trazendo para
si, a primazia no estabelecimento da hierarquia. Um exemplo disso é a
disposição contida no Código Civil Suíço de 1912, quando menciona que nos
casos não previstos, o juiz decidirá segundo o costume e, na falta deste,
conforme as normas que estabeleceria que o legislador fosse, inspirado na
doutrina e na jurisprudência dominante.
Também,
neste sentido, o Código Civil Brasileiro, estabeleceu a hierarquia dos métodos
aos quais poderia recorrer o aplicador do direito, no caso da existência de
lacunas da lei.
Confira-se,
pois, o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro que dispõe
que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Em
sentido contrário, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, entende que o costume é
primordialmente fonte do direito, sendo que em caráter extremamente
excepcional, pode ser utilizado como meio de integração da norma jurídica.
Porém, é minoritário tal entendimento(60).
O
costume exerce primordialmente duas funções: 1) a de Direito Subsidiário, para
completar o Direito Escrito e lhe preencher as lacunas e; 2) elemento de hermenêutica,
auxiliando o aplicador do direito a interpretar a lei.
Portanto,
note-se que o costume é ampla e expressamente admitido como meio de
preenchimento das lacunas da lei.
5.2
Conceito
Segundo
MAXIMILIANO, o costume é uma norma jurídica sobre determinada relação de
fato e resultante da prática diurna e uniforme, que lhe dá força de lei. O
autor menciona, ainda, que ao conjunto de tais regras não escritas chama-se Direito
Consuetudinário(61).
O
costume é uma norma que deriva da longa prática uniforme, geral e constante
repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma
necessidade jurídica.(62)
Também
é compreendido como a lei que o uso estabeleceu, e que se conserva sem ser
escrita, por longa data(63).
Diante
disso, pode-se extrair que o costume deve ser uniforme, constante, público e
geral, a fim de que seja possível a sua adoção como método de integração da
norma jurídica.
5.3
Espécies
A
doutrina divide os costumes em três espécies, quais sejam, o secundum legem,
o contra legem e o praeter legem.
O
secundum legem é aquele dotado de maior prestígio e universalmente
aceito, aquele que está previsto na lei, possuindo eficácia obrigatória.
O
contra legem é o costume que se forma em sentido contrário da lei,
buscando de forma implícita revogar a lei.
Por
fim, temos o praeter legem que é a modalidade de costume que substitui a
lei nos casos por ela deixados em silêncio, ou seja, supre as lacunas deixadas
pela lei.
Portanto,
estas são as três espécies de costumes, sendo que no presente estudo o que
possui maior relevância é o praeter legem, já que este de forma específica,
visa o preenchimento de lacunas na lei.
5.4
Outros meios de integração da norma
Diante
do caso concreto, não encontrando o juiz nenhuma norma jurídica aplicável ao
caso concreto e, utilizando-se, de forma frustrada, a analogia e os costumes
com o intuito de suprir as lacunas da lei, deverá o aplicador buscar outro meio
de integrar a norma.
Diante
disso, passemos à análise de mais um dos meios de integração da norma jurídica.
6 Princípios gerais de direito
6.1
Considerações gerais
Quando
nem a norma positiva de direito legal ou costumeira, examinada conforme os
processos de interpretação existentes, nem a analogia, fornecerem a regra
aplicável à situação de fato, cumpre ao intérprete passar a investigar dentro
da esfera dos princípios gerais de direito(64).
6.2
Conceito
No
entender de MIGUEL REALE, os princípios gerais de direito são enunciações
normativas de cunho genérico, que condicionam e norteiam a compreensão do
ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação, quer para a elaboração de
novas normas(65).
Para
DE PLÁCIDO E SILVA, os princípios gerais de direito revelam o conjunto de
regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma, servindo como
alicerce, à toda a espécie de ação humana(66).
Afirma
ainda, MIGUEL REALE, que toda a experiência jurídica, bem como a legislação que
a integra, repousa sobre os princípios gerais de direito, podendo estes, serem
considerados como o alicerce do ordenamento jurídico(67).
Para
CAMPOS BATALHA, os princípios gerais de direito confundem-se com o Direito
Natural, como reflexos da lei eterna da criatura humana, antecedendo e estando
à base do direito escrito, como orientação cultural ou política do ordenamento
jurídico(68).
Porém,
tendo em vista a imprecisão da expressão princípios gerais de direito, os
doutrinadores destoam em relação à sua concepção.
Alguns
autores, tais como BRUNETTI, ESPÍNOLA e DEL VECCHIO, entendem que os princípios
gerais de direito funcionam como formas de suprimento das lacunas, atribuindo a
eles a natureza de normas de direito natural(69).
Neste
mesmo sentido, LACAMBRA afirma que, os princípios gerais de direito são
elevados à categoria de verdadeiro direito natural. Menciona ainda que
são dotados de validez universal absoluta, verdadeiros princípios de direito
natural(70).
Entendendo
de forma diversa, outros autores, dentro os quais CARLOS COSSIO, defenderam a
tese de que os princípios gerais de direito são meros "juízos
estimativos de valor, preexistentes à ação legislativa". O referido
autor, menciona que, os princípios gerais de direito expressam, realmente,
valores estimáveis (sociais, culturais e econômicos), que inspiram o legislador
em sua atividade criadora de normas(71).
CLÓVIS
BEVILÁQUA e BIANCHI, consideram os princípios gerais de direito como tendo
caráter universal, ditados pela ciência e pela filosofia do direito(72).
Ante
à pluralidade de concepções, em síntese, pode-se dizer que os princípios gerais
de direito possuem natureza plúrima, traduzindo-se na conjugação das várias
correntes doutrinárias.
TÉRCIO
SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR assevera que, ainda que os princípios gerais de direito
possam ser aplicados no sentido de suprir lacunas, estes não possuem a natureza
de norma, mas princípio. Ainda, segundo o mencionado autor, os
princípios gerais de direito não integram o repertório do sistema, mas são
parte de suas regras estruturais(73).
Neste
sentido, há de se mencionar que os princípios gerais de direito não são
preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos
componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a compreensão
do sistema jurídico, em sua explicação e integração, sendo que algumas são de
tamanha importância que são expressamente contidas em lei(74).
Diante
disso, o método da investigação e aplicação dos princípios gerais de direito,
serve para que se possa chegar à determinação de qual princípio é pertinente ao
caso concreto, trazido à apreciação do órgão judicante. Para tal, utiliza-se de
operação indutiva e o próprio legislador sugere o emprego desse método(75).
Portanto,
para conseguir atingir os princípios gerais de direito deve o juiz,
gradativamente, subir por indução, da idéia em foco para outra mais elevada,
abstraindo do que há nelas de particular, prosseguindo em generalizações
crescentes e sucessivas até obter a solução(76).
6.3
Outros métodos de integração da norma
Após
a utilização de forma infrutífera dos meios de integração da norma jurídica
para suprimir a lacuna da lei, o aplicador do direito recorrerá à Eqüidade.
Portanto,
passa-se ao estudo de mais este meio de integração da norma jurídica.
7 Eqüidade
7.1
Considerações gerais
Após
a utilização dos três métodos anteriormente mencionados, sobrevivendo a lacuna
do direito, o órgão judicante se servirá da eqüidade para a solução do litígio.
Em
pertinente observação, MAXIMILIANO afirma que:
a vida sócio-jurídica não é
composta de casos gerais, senão de casos concretos e os mais diversos, de onde
a simples justiça que se supõe existir na lei nem sempre ser suficiente para
atender equilibradamente a essa infinita casuística. Assim, é por vezes mister
o suprimento do princípio da justiça contido na lei por intermédio de um outro
princípio, àquele semelhante, mas sob outros aspectos mais extensos e mais
altos, o princípio da Eqüidade(77).
Conforme
já mencionado, a lei expressamente autoriza o legislador a decidir por
eqüidade. Exemplo de tal legislação é o art. 114 do Código de Processo Civil
Brasileiro de 1939 e o art. 4º do Código Civil Suíço.
Admitida
a eqüidade como um dos métodos de aplicação e integração da norma jurídica,
passemos a algumas de suas concepções.
7.2
Conceito
Para
SANTO THOMAS, a eqüidade, que em grego é denominada epieikeia, de certa
forma equivale à justiça geral, estando compreendida nela e, de certo modo, a
excede porque leva o aplicador da lei a não se prender aos estreitos limites do
texto legal(78).
Também,
bem difundida é forma utilizada por ARISTÓTELES para estabelecer a diferença
entre a Justiça e a Eqüidade. Afirmava o filósofo que a Justiça corresponderia
a uma régua rígida, ao passo que a Eqüidade se assemelharia a uma régua
maleável, capaz de se adaptar às saliências do campo a ser medido. Sem quebrar
a régua, o magistrado, ao medir a igualdade dos casos concretos vê-se na
contingência de adaptar a lei a pormenores não previstos e, muitas vezes, a
casos imprevisíveis pela lei, sob pena de perpetrar uma verdadeira injustiça e,
assim, contradizer a própria finalidade intrínseca das normas legais(79).
GARCÍA MAYNEZ, citando
ARISTÓTELES menciona mais sobre a régua de Lesbos. Vejamos:
Tratándose de cosas indeterminadas, la ley debe permanecer
indeterminada como ellas, igual la regla de plomo de que se sirven en la
arquitectura de Lesbos; la cual se amolda y acomoda a la forma de la piedra que
mide(80).
Para
ARISTÓTELES, a virtude de assim proceder é que corresponde o sentido da
eqüidade, mencionando, por fim, que está é a justa retificação do justo,
rigorosamente legal(81).
No
entender de GÉNY, a eqüidade tem algo de superior a toda fórmula escrita ou
tradicional, é um conjunto de princípios imanentes, constituindo de algum modo
a substância jurídica da humanidade, segundo a sua natureza e o seu fim, princípios
imutáveis no fundo, porém cuja forma se adapta à variedade dos tempos e países(82).
Assim,
é reconhecido que a eqüidade invocável como auxiliar da interpretação e
aplicação do direito não se revela somente pelas inspirações da consciência
e da razão natural, mas também, e principalmente, pelo estudo atento, pela
apreciação inteligente dos textos da lei, dos princípios da ciência jurídica e
das necessidades da sociedade(83).
Por
fim, há de se mencionar que jamais se recorrerá à eqüidade senão para atenuar o
rigor de um texto, interpretando e aplicando-o de modo compatível com o
progresso e a solidariedade humana; jamais será a mesma invocada para se agir,
ou decidir, contra prescrição positiva clara e prevista(84).
Portanto,
esses são os meios dos quais dispõe o órgão judicante na aplicação e integração
da norma jurídica diante da existência de uma lacuna do direito.
8 Conclusão
Ante
toda a exposição, percebe-se que a paz social é, ou deve ser, o fruto da
aplicação. Tendo o Estado atraído para si o exercício da função jurisdicional,
a ela compete, através de juiz, aplicar o direito a casos concretos que se lhe
apresentem, com o escopo de realizar e manter a paz e harmonia social.
Como
foi possível extrair da exposição acima, a aplicação do direito não se resume a
um método silogístico pura e simplesmente, devendo o juiz estar em sintonia não
somente com o direito, mas também com fatores axiológicos e teleológicos. Deve,
antes de tudo, ter o julgador um profundo conhecimento da natureza humana.
Ademais,
não é lícito ao juiz se escusar de aplicar o direito sob a alegação de
inexistir norma jurídica aplicável ao caso. Ao direito de ação do titular da
pretensão resistida corresponde ao dever do Estado em prestar a tutela
jurisdicional adequada, favorável ou desfavorável ao postulante.
Diante
disso, ainda que inexista norma jurídica aplicável ao caso concreto, o juiz
deve servir-se de outros meios para manter a paz social, valendo-se, então, dos
métodos de integração da norma jurídica, tais como a analogia, o costume, os
princípios gerais do direito e a eqüidade.
NOTAS
1.
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª ed. Lisboa: Calouste
Gulbendian, 1983. p.75.
2.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 15ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995. p. 01.
3.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 01.
4.
BEVILÁQUA, Clóvis. Apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação
do direito, p. 18.
5.
ESPÍNOLA. Apud MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito, p.
18.
6.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 291.
7.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 3ª
ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 374.
8.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 06.
9.
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª ed. Lisboa: Calouste
Gulbendian, 1983. p. 78.
10.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 291.
11.
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos 3ª ed. v. 2 São Paulo: Max
Limonad, 1952, p. 542.
12.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2ª
ed. t. 1 Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 11.
13.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946.
3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. p.37.
14.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2ª
ed. t. 1 Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 11.
15.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1992. p. 62.
16.
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 7ª ed. São Paulo:
Freitas Bastos, 1989. p. 112.
17.
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª ed. Lisboa: Calouste
Gulbendian, 1983. p. 85.
18.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 06-07.
19.
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos 3ª ed. v. 2 São Paulo: Max
Limonad, 1952, p. 544.
20.
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 544.
21.
FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. 3ª ed. Coimbra:
Armênio Amado, 1978. p.186-187.
22.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 298.
23.
ENGISH, Karl. apud PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria
Penal. Revista de Ciências Jurídicas nº 01, ano 1997, publicação oficial do
curso de Mestrado em Direito da Universidade Estadual de Maringá, p. 162.
24.
PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria Penal, p. 162.
25. ZITELMAN, Las lagunas del
derecho. apud JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à
Ciência do Direito. p.121-123.
26.
DONATI, Il problema della lacune dellordinamento giuridico. apud GUSMÃO,
Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1960. p. 142-143.
27.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Coimbra: Armênio Amado,
1976. p. 338-339 .
28.
apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 29.
29.
apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 40.
30.
BOBBIO, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 146-148.
31.
apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Paulo Dourado. GUSMÃO, Paulo Dourado.
Introdução à Ciência do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960.
p. 165.
32.
BRUNETTI, Sul valore del problema delle lacune. apud GUSMÃO, Paulo
Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 143.
33.
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, p. 181.
34.
ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 277.
35.
LARENZ, apud ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, p.
286.
36.
apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p.
143.
37.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 145.
38.
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 601.
39.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 221.
40. apud MAXIMILIANO,
Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 70.
41.
PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria Penal, p. 163.
42. apud MAXIMILIANO,
Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 69.
43.
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 602.
44.
DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 121.
45.
FERRARA. Trattado, apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do
Direito Positivo, p. 70.
46.
LAHR, Manual de Filosofia. apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e
Aplicação do Direito Positivo, p. 70.
47.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio de. Introdução ao Estudo do Direito - Técnica,
Decisão, Dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 302-303.
48.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 155-156.
49.
CALDARA. apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do
direito, p. 223.
50.
PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria Penal, p. 165-166.
51.
JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito, p. 129.
52.
FERRAZ JR., Tércio Sampaio de. Introdução ao Estudo do Direito - Técnica,
Decisão, Dominação, p. 299.
53.
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 603.
54.
FERRARA, apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito
Positivo, p. 71.
55.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 145.
56.
MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 74.
57.
GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 166.
58. CASTÁN TOBENAS. apud JACQUES,
Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito, p. 130.
59.
apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p.
144.
60.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, p. 19.
61.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 200-201.
62.
DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 170.
63.
SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico, p. 577.
64.
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 605-606.
65.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 300.
66.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 447.
67.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 301.
68.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdução ao Direito - Filosofia, História
e Ciência do Direito, p. 261.
69.
apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 185-187.
70. LACAMBRA. Filosofía del
Derecho. apud JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à Ciência do
Direito, p.131.
71. COSSIO, Carlos. La Teoría
Egológica del Derecho y em Concepto Jurídico de Libertad. apud JACQUES,
Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito, p.131.
72.
apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 190.
73.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, p. 223.
74.
DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 198.
75.
Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º.
76.
DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 202.
77.
MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 73.
78.
STO. THOMAZ, Summa. apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do
Direito Positivo, p. 74.
79.
ARISTÓTELES apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito
Positivo. p. 74
80. MAYNEZ, Eduardo García. Introducción
al Estudio del Derecho, p. 374.
81.
ARISTÓTELES apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 209.
82.
GÉNY, François. Méthode d’Interprétation. apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica
e Aplicação do Direito, p. 185.
83. DEMOLOMBE, Cours de Code
Napoléon. apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do
Direito, p. 185
84.
COELHO DA ROCHA, apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação
do Direito, p. 187
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Freitas Bastos, 1989.
SILVA,
De Plácido e. Vocabulário jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1991.
Texto
elaborado em dezembro de 2000
E-mail do
autor: julio.amaral@uol.com.br
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