Preconceito Linguístico

Preconceito lingüístico
O que é, como se faz


Existe uma regra de ouro da Lingüística que diz: “só existe língua se houver seres humanos que a falem”.
O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, entre língua e gramática normativa.
A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do tempo, e a gramática normativa é a tentativa de descrever apenas uma parcela mais visível dele, a chamada norma culta.
É essa aplicação autoritária, intolerante e repressiva que impera na ideologia geradora do preconceito lingüístico.
O preconceito lingüístico fica bastante claro numa série de afirmações que já fazem parte da imagem (negativa) que o brasileiro tem de si mesmo e da língua falada por aqui.

“A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”

Este é o maior e o mais sério dos mitos que compõem a mitologia do preconceito lingüístico no Brasil.
Existe também toda uma longa tradição de estudos filológicos e gramaticais que se baseou, durante muito tempo, nesse (pré)conceito irreal da “unidade lingüística do Brasil”.

Esse mito é muito prejudicial à educação porque, ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma lingüística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os brasileiros.
No Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial do país, mas principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda em todo o mundo.
São essa graves diferenças de status social que explicam a existência, em nosso país, de um verdadeiro abismo lingüístico entre os falantes das variedade não-padrão do português brasileiro.
Como a educação ainda é privilégio de muita pouca gente em nosso país, uma quantidade gigantesca de brasileiros permanece à margem do domínio de uma norma culta.
Assim, da mesma forma como existem milhões de brasileiros sem terra, sem trabalho, também existem milhões de brasileiros sem-língua.
È claro que eles também falam português, uma variedade de português não – padrão, com sua gramática particular, que no entanto não é reconhecida como válida, que é desprestigiada, ridicularizada - por isso podemos chama- los de sem-língua.

A Constituição afirma que todos os indivíduos são iguais perante a lei, mas essa mesma lei é redigida numa língua que só uma parcela pequena de brasileiros consegue entender.
A discriminação social começa, portanto, já no texto da Constituição.
Muitas vezes, os falantes das variedades desprestigiadas deixam de usufruir diversos serviços a que têm direito simplesmente por não compreenderem a linguagem empregada pelos órgãos públicos.
O fato de no Brasil o português ser a língua da imensa maioria da população não implica, automaticamente, que esse português seja um bloco compacto, coeso e homogêneo.
É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a verdadeira diversidade lingüística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades não-padrão.
Felizmente, essa realidade lingüística marcada pela diversidade já é reconhecida pelas instituições oficiais encarregadas de planejar a educação no Brasil.

“Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português”
Essas duas opiniões tão habituais, corriqueira, comuns, e que na realidade são duas faces de uma mesma moeda

enferrujada, refletem o complexo de inferioridade, o sentimento de sermos até hoje uma colônia dependente de um país mais antigo e mais “civilizado”.
É a mesma concepção torpe segundo a qual o Brasil é um país subdesenvolvido porque sua população não é uma raça “pura”, mas sim o resultado de uma mistura – negativa - de raças, sendo que duas delas, a negra e a indígena, são “inferiores” à do branco europeu, por isso nosso “povinho” só pode ser o que é.
Ora, há muito tempo a ciência destruiu o mito da raça pura, que é um absurdo.
Assim, uma raça que não é “pura” não poderia falar uma língua “pura”. Não é difícil encontrar intelectuais renomados que lamentem a “corrupção” do português falado no Brasil, língua de “matutos” de “caipiras infelizes”, arremedo tosco da língua de Camões.
A língua Portuguesa, nesses noventa e cinco anos, se manteve muito bem, obrigada, falada e escrita por cada vez mais gente, produziu uma literatura reconhecida mundialmente, é propagada também em nível internacional pelo grande prestígio de que goza a música popular brasileira.
E a avalanche de palavras estrangeiras tem de ser analisada sob a perspectiva da dependência político-econômico e consequentimente cultural do Brasil e de Portugal para com os centro mundiais de poder.

Não adianta bradar contra a “invasão” de palavras na língua portuguesa sem analisar essa dependência. É querer eliminar os efeitos sem atacar as verdadeiras causas.
E essa história de dizer que “brasileiro não sabe português” e que “só em Portugal se fala bem português?”
Trata-se de uma grande bobagem, infelizmente transmitida de geração a geração pelo ensino tradicional da gramática na escola.
O brasileiro sabe português, sim. O que acontece é que nosso português é diferente de português falado em Portugal.
Quando dizemos que no Brasil se fala português, usamos esse nome simplesmente por comodidade e por uma razão histórica, justamente a de termos sido uma colônia de Portugal. Do ponto de vista lingüístico, porém, a língua falada no Brasil já tem uma gramática – isto é, tem regras de funcionamento – que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada em Portugal.
Por usar o termo português brasileiro, por ser mais claro e marcar bem essa diferença.
Na língua falada, as diferenças entre o português de Portugal e o português do Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem dificuldades de compreensão.
O único nível em que ainda é possível uma compreensão quase total entre brasileiros e portugueses é o da língua escrita formal, porque a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças.

No que diz respeito ao ensino do português no Brasil, o grande problema é que esse ensino até hoje, depois de mais de cento e setenta anos de independência política, continua com os olhos voltados para a norma lingüística de Portugal.
As regras gramaticais consideradas “certas” são aquelas usadas por lá, que servem para a língua falada lá, que retratam bem o funcionamento da língua que os portugueses falam.
Quanto tempo ainda teremos de esperar para nos darmos conta, de uma vez por todas, de que somos “ completamente diferentes das nossas origens, únicos, como tão brilhantemente.
O mito de que brasileiro não sabe português também afeta o ensino de língua estrangeiras. É muito comum verificar entre professores de inglês, francês ou espanhol um grande desânimo diante das dificuldades de ensinar o idioma estrangeiro.
É curioso como muitos brasileiros assumem esse mesmo preconceito negativo também em relação a outras línguas, defendendo sempre a língua da metrópole contra a língua da ex-colônia.
É o nosso eterno trauma de inferioridade, nosso desejo de nos aproximarmos, o máximo possível, do cultuado padrão ideal, que é a Europa.
Nosso país é 92 vezes e meia maior que Portugal, e nossa população é quase 15 vezes superior! Quando se trata de língua, temos de levar em conta a quantidade: só na cidade de São Paulo vivem mais falantes de português do que em toda a Europa!
Além disso, o papel do Brasil no cenário político-econômico mundial é, de longe, muito mais importante que o de Portugal.
Não tem sentido nenhum, portanto, continuar alimentando essa fantasia de que os portugueses são os verdadeiros donos da língua, enquanto nós a utilizamos (e mal) apenas por empréstimo.
Existe, embutida nesse mito, a ilusão de que os portugueses falam e escrevem tudo certo e que seguem rigorosamente as regras da gramática ensinada na escola.
Não é nada disso. Assim como nós aqui cometemos nossos pecados contra a gramática normativa, os portugueses também cometem os deles, só que, mais uma vez diferentes dos nossos.
Monteiro Lobato, que morreu em 1948, esta muito mais por dentro das noções da lingüística moderna do que muito autor de gramática que está por aí hoje.
É espantoso que a figura do gramático autoritário e intolerante – ridicularizado por Lobato na personagem do professor Aldrovando Cantagalo, em seu delicioso conto “O colocador de pronomes”, de 1924.

“Português é muito difícil”

Essa afirmação preconceituosa é prima-irmã da idéia que acabamos de derrubar, a de que “brasileiro não sabe português”.
Como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil.
No dia em que nosso ensino de português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil é bem provável que ninguém mais continue a repetir essa bobagem.
Todo falante nativo de uma língua sabe essa língua. Sabe uma língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela.
Se tanta gente continua a repetir que “português” é difícil é porque o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Um caso típico é a regência verbal.
Por isso tantas pessoas terminam seus estudos, depois do onze anos de ensino fundamental e médio, sentindo-se incompetentes para redigir o que quer que seja.
E não é à toa: se durante todos esses anos os professores tivessem chamado a atenção dos alunos para o que é realmente interessante e importante se tivessem desenvolvido

as habilidades de expressão dos alunos, em vez de entupir suas aulas com regras ilógicas e nomenclaturas incoerentes, as pessoas sentiriam muito mais confiança e prazer no momento de usar os recursos de seu idioma, que afinal é um instrumento maravilhoso e que pertence a todos! .
Se tantas pessoas inteligentes e cultas continuam achando que “não sabem português” ou que “português é muito difícil” é porque esta disciplina fascinante foi transformada numa “ciência esotérica”, numa “doutrina cabalística” que somente alguns “iluminados” conseguem dominar completamente.
No fundo, a idéia de que “português” é muito difícil serve como mais um dos instrumentos de manutenção do STATUS QUO das classes sociais privilegiadas.
Essa entidade mística e sobrenatural chamada português só se revela aos poucos iniciados, aos que sabem as palavras mágicas exatas para faze-la manifestar-se. Tal como na Índia antiga, o conhecimento da gramática é reservado a uma casta sacerdotal, encarregada de preserva-la pura e intacta, longe do contato infeccioso dos parias.
“As pessoas sem instrução falam tudo errado”

Estamos tratando aqui de brasileiros falantes das variedades não-padrão em cujo sistema fonético simplesmente não existe encontro consonantal com L, independentemente de terem ou não dificuldades articulatórias.

Ora, do ponto de vista exclusivamente lingüístico, o fenômeno que existe no português não-padrão é o mesmo que aconteceu na história do português não-padrão e tem até um nome técnico: rotacismo.
O rotacismo participou da formação da língua portuguesa padrão, como já vimos em branco, escravo etc., mas ele continua vivo e atuante no português não-padrão, como em broco, chicrete, porque essa variedade não-padrão deixa que as tendências normais e inerentes à língua se manifestam livremente.
Assim, o problema não está naquilo que se fala, mas em quem fala o quê. Neste caso, o preconceito lingüístico é decorrência de um preconceito social.
Como se vê, do mesmo modo como existe o preconceito contra a fala de determinadas classes sociais, também existe o preconceito contra a fala característica de certas regiões.

“O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”.

Não sei quem foi a primeira pessoa que proferiu essa grande bobagem, mas a realidade é que até hoje ela continua sendo repetida por muita gente por aí, inclusive gente culta, que não sabe que isso é apenas um mito sem nenhum ma fundamentação científica.
Esse mito nasceu, mais uma vez, da velha posição de subserviência em relação ao português de Portugal.
É sabido que no Maranhão ainda se usa com grande regularidade o pronome tu.
Na maior parte do Brasil, como sabemos, devido à reorganização do sistema pronominal de que já falei, o pronome tu foi substituído por você.
De fato, o pronome tu está em vias de extinção na fala do brasileiro, e quando ainda é usado, em alguns falares característicos de certas camadas sociais do Rio de Janeiro, o verbo assume a forma da terceira pessoa: tu vai, tu fica, que caracteriza também a fala informal de algumas outras regiões.
Ora. Somente por esse arcaísmo, por essa conservação de um único aspecto da linguagem clássica literária, que coincide com a língua falada em Portugal ainda hoje, é que se perpetua o mito de que o Maranhão é o lugar onde melhor se fala o português no Brasil.
O que acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é o mesmo que acontece com o português de Portugal em relação ao português do Brasil: não existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja intrinsecamente melhor, mais carreta que outra.
Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam. Quando deixar de a tender ela inevitavelmente sofrerá transformações para se adequar às novas necessidades.
Toda variedade lingüística é também o resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares.
As pesquisas sociolingüísticas – que se baseiam em coleta de dados por meio de gravações da fala espontânea, viva, dos usuários nativos da língua – confirmam uma suposição obvia: as pessoas das classes cultas de qualquer lugar dominam melhor a norma culta do que as pessoas das classes não-cultas de qualquer lugar.
Convém salientar que a determinação das normas culta e não-culta é uma questão de grau de freqüência das variantes ( o que os normativistas considerariam erros ou acertos).
É preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de falantes o melhor ou o pior português e passar a respeitar igualmente todas as variedades da língua, que constituem um tesouro precioso de nossa cultura.
Todas elas têm o seu valor, são veículos plenos e perfeitos de comunicação e de relação entre as pessoas que as falam.
Se tivermos de incentivar o uso de uma norma culta, não podemos fazê-lo de modo absoluto, fonte do preconceito. Temos de levar em consideração a presença de regras variáveis em todas as variedades, a culta inclusive.
“O certo é falar assim porque se escreve assim”.

Infelizmente, existe uma tendência muito forte no ensino da língua de querer obrigar o aluno a pronunciar do jeito que se escreve, como se essa fosse a única maneira certa de falar português.
Muitas gramáticas e livros didáticos chegam ao cúmulo de aconselhar o professor a corrigir quem fala muleque, como se isso pudesse anular o fenômeno da variação, tão natural e tão antigo na história das línguas.
É claro que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada artificial e reprovando como erradas as pronúncias que são resultado natural das forças internas que governam o idioma.
Quando digo que a escrita é uma tentativa de representação é porque sabemos que não existe nenhuma ortografia em nenhuma língua do mundo que consiga reproduzir a fala com fidelidade.
Esta relação complicada entre língua falada e língua escrita precisa ser profundamente reexaminada no ensino. Durante mais de dois mil anos, os estudos gramaticais se dedicaram exclusivamente à língua escrita literária, formal.
Foi somente no começo do séc. XX, com o nascimento da ciência lingüística, que a língua falada passou a ser considerada como o verdadeiro objeto de estudo científico.
Afinal, a língua falada é a língua tal como foi aprendida pelo falante em seu contato com a família e com a comunidade, logo nos primeiros anos de vida.
A língua escrita, é totalmente artificial, exige treinamento, memorização, exercício, e obedece a regras fixas, de tendência conservadora, além de ser uma representação não exaustiva da língua falada.
A importância da língua falada para o estudo científico está principalmente no fato de ser nessa língua falada que ocorrem as mudanças e as variações que incessantemente vão transformando a língua.
Do ponto de vista da história de cada indivíduo, o aprendizado da língua falada sempre precede o aprendizado da língua escrita, quando ele acontece.
Há cientistas que se dedicam especificamente a estudar as diferenças, semelhanças, inter-relações e interações que existem entre as duas modalidades.
O ensino tradicional da língua, no entanto, quer que as pessoas falem sempre do mesmo modo como os grandes escritores escreveram suas obras.
A gramática tradicional despreza totalmente os fenômenos da língua oral, e quer impor a ferro e fogo a língua literária como a única forma legítima de falar e escrever, como a única manifestação lingüística que merece ser estudada.
Essa ênfase no texto literário tem produzido uma visão redutora da língua, identificando-a freqüentemente apenas com a regulamentação ortográfica.
Os autores de compêncios gramaticais, inclusive os mais recentes, não fazem a distinção básica, elementar, entre ortografia e fonética, isto é, entre as regras da língua escrita e os fenômenos da língua oral.
Por isso, temos de desconfiar desses livros que se autodenominam “Gramática da língua portuguesa” sem especificar seu objeto de estudo.
A “língua portuguesa” que eles abordam é um variedade específica, dentre as muitas existentes, que tem de ser designada com todos os seus qualificativos: “Gramática da língua portuguesa escrita, literária, formal, antiga”.
Todos os demais fenômenos vivos da língua falada e de outras modalidades da língua escrita são deixados de fora desses livros.
“É preciso saber gramática para falar e escrever bem”.
É difícil encontrar alguém que não concorde com a declaração acima. Ela vive na ponta da língua da grande maioria dos professores de português e está formulada em muitos compêndios gramaticais.
É muito comum, também, os pais de alunos cobrarem dos professores o ensino dos “pontos” de gramática tais como eles próprios os aprenderam em seu tempo de escola.
O que aconteceu, ao longo do tempo, foi uma inversão da realidade histórica. As gramáticas foram escritas precisamente para descrever e fixar como regras e padrões as manifestações lingüísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, modelos a ser imitados.
Ou seja, a gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela, dependente dela. Como a gramática, porém, passou a ser um instrumento de poder e de controle, surgiu essa concepção de que os falantes e escritores da língua é que precisam da gramática, como se ela fosse uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua bonita, correta e pura.
A língua passou a ser subordinada e dependente da gramática.
E os compêndios gramaticais se transformaram em livros sagrados, cujos dogmas e cânones têm de ser obedecidos à risca.
Ora, não é a gramática normativa que estabelece a norma culta. A norma culta simplesmente existe como tal. A tarefa de uma gramática seria, isso sim, definir, identificar e localizar os falantes cultos, coletar a língua usada por eles e descrever essa língua de forma clara, objetiva e com critérios teóricos e metodológicos coerentes.
Por outro lado, não é a gramática normativa que vai garantir a existência de um padrão lingüístico uniforme, existe na sociedade, independentemente de haver ou não livros que o descrevam.
“O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”
É muito comum encontrar pessoa muito bem-intencionadas que dizem que a norma padrão conservadora, tradicional, literária, clássica é que tem de ser mesmo ensinada nas escolas porque ela é um instrumento de ascensão social.
Ora, se o domínio da norma culta fosse realmente um instrumento de ascensão na sociedade, os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país.
O que estou tentando dizer é que o domínio da norma culta de nada vai adiantar a uma pessoa que não tenha todos os dentes, que não tenha casa decente para morar, água encanada, luz elétrica e rede de esgoto.
O domínio da norma culta de nada vai servir a uma pessoa que não tenha acesso às tecnologias modernas aos avanços da medicina, aos empregos bem remunerados à participação ativa e consciente nas decisões políticas que afetam sua vida e a de seus concidadãos.
De nada vai adiantar a uma pessoa que não tenha seus direitos de cidadão reconhecidos plenamente.
Achar que basta ensinar a norma culta a uma criança pobre para que ela suba na vida é o mesmo que achar que é preciso aumentar o número de policiais na rua e de vagas nas penitenciárias para resolver o problema da violência urbana.
É preciso garantir, sim, a todos os brasileiros o reconhecimento (sem o tradicional julgamento de valor) da variação lingüística, porque o mero domínio da norma culta não é uma fórmula mágica que, de um momento para outro, vai resolver todos os problemas de um indivíduo carente.
O que está em jogo não é a simples transformação de um indivíduo, que vai deixar se ser um sem-língua padrão para tornar-se um falante da variedade culta.
O que está em jogo é a transformação da sociedade como um todo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja existência mesma exige desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover a ascensão social dos marginalizados é, senão hipócrita e cínica, pelo menos de uma boa intenção paternalista e ingênua.
Falar da língua é falar de política, e em nenhum momento esta reflexão política pode estar ausente de nossas
posturas teóricas e de nossas atitudes práticas de cidadão, de professor e de cientista.
Do contrário, estaremos apenas contribuindo para a manutenção do círculo vicioso do preconceito lingüístico e do irmão gêmeo dele, o círculo vicioso da injustiça social.

Aluna -Elcioneide Alves Pereira
Matricula – 93/ 20111 - 48
Brasília – DF, Dezembro de 2002


Bibliografia

Bagno; Marcos. Preconceito Lingüístico- o que é, como se faz;
5ª Edição. Ed. Loyola. 1999.

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