Lei penal no espaço - Mirabete
Pode um crime violar interesses de dois ou mais países, quer por ter sido a ação praticada no território de um e a consumação dar-se em outro, quer porque o delito atinge bem jurídico de um Estado embora praticado no exterior, quer pela necessidade da extradição para a aplicação da lei penal etc. É necessário, portanto, que o ordenamento jurídico defina a possibilidade da aplicação da lei nacional em tais casos. Essas normas, que para alguns fazem parte do Direito Penal Internacional, são, na realidade, de Direito Penal interno, já que não estabelecem preceitos ou sanções destinadas a outros Estados.
Assim, embora os dispositivos referentes à aplicação da lei no espaço tenham, muitas vezes, fundamento em tratados, convenções e regras internacionais, constam do Código Penal.
۩. Princípios de aplicação da lei penal no espaço
Apontam-se na doutrina cinco princípios a respeito da aplicação da lei penal no espaço.
O princípio de territorialidade prevê a aplicação da lei nacional ao fato praticado no território do próprio país. Decorre ele da soberania do Estado, o que significa que tem jurisdição sobre as pessoas que se encontram em seu território. Contudo, a aplicação absoluta desse princípio "pode conduzir à impunidade, uma vez que o Estado só se encontraria obrigado a julgar os crimes cometidos no seu território, podendo, em conseqüência, não julgar os que foram praticados no estrangeiro".
O princípio da nacionalidade (ou de personalidade) cogita da aplicação da lei do país de origem do agente, pouco importando o local onde o crime foi cometido. Pode-se, assim, punir o autor do delito, se nacional, quer tenha praticado o delito em seu país, quer o tenha feito fora dos limites territoriais. O Estado tem o direito de exigir que seu cidadão no estrangeiro tenha determinado comportamento. Esse princípio subdivide-se em duas subespécies: o da nacionalidade ativa, em que somente se considera se o autor do delito é nacional, sem se cogitar da vítima; e o da nacionalidade passiva, que exige, para a aplicação da lei penal, sejam nacionais o autor e o ofendido do ilícito penal.
Pelo princípio de proteção (da competência real, de defesa), aplica-se a lei do país ao fato que atinge bem jurídico nacional, sem nenhuma consideração a respeito do local onde foi praticado o crime ou da nacionalidade do agente. Por esta última circunstância, difere do princípio da nacionalidade passiva. Defendem-se, assim, os bens jurídicos que o Estado considera fundamentais.
Pelo princípio da competência universal (ou da justiça cosmopolita), o criminoso deve ser julgado e punido onde for detido, segundo as leis desse país, não se levando em conta o lugar do crime, a nacionalidade do autor ou o bem jurídico lesado. "O fundamento desta teoria, segundo João Mestieri, é ser o crime um mal universal, e por isso todos os Estados têm interesse em coibira sua prática e proteger os bens jurídicos da lesão provocada pela infração penal."2 Seria este o princípio ideal no combate à criminalidade, evitando-se a impunidade pela fuga do agente do país em que cometeu o delito. Esbarra ele, contudo, nos problemas de diversidade de legislação penal entre países, na dificuldade de colheita da prova etc.
Por fim, há o princípio da representação, subsidiário, que determina a aplicação da lei do país quando, por deficiência legislativa ou desinteresse de outro que deveria reprimir o crime, este não o faz, e diz respeito aos delitos cometidos em aeronaves ou embarcações. É uma aplicação do princípio da nacionalidade, mas não a do agente ou da vítima, e sim do meio de transporte em que ocorreu o crime.
Não há, todavia, nenhuma legislação que adote integral e exclusivamente apenas um desses princípios. Prevêem as leis a adoção de um sistema em que a base fundamental é um dos princípios citados (normalmente o da territorialidade), complementado por disposições fundadas nos demais. São assim elaboradas normas que visam combater os crimes praticados no país ou no exterior, desde que, quanto aos últimos, de alguma forma atinjam interesses nacionais, sejam eles do Estado ou privados, ou por outro motivo surja um compromisso do país em efetuar a repressão.
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