A TEORIA DA GESTALT
Texto adaptado de BOCK, Ana Maria. Psicologias. Uma
introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2004. pág.50-57.
A PSICOLOGIA DA FORMA
A Psicologia da Gestalt é uma das tendências teóricas mais
coerentes e coesas da história da Psicologia. Seus articuladoresse preocuparam em construir não só uma teoria consistente,
mas também uma base metodológica forte, que garantisse aconsistência teórica.
Gestalt é um termo alemão de difícil tradução. O termo mais
próximo em português seria forma ou configuração, que não émuito utilizado por não corresponder exatamente ao seu real
significado em Psicologia.
No final do século passado muitos estudiosos procuravam
compreender o fenômeno psicológico em seus aspectos naturais(principalmente no sentido da mensurabilidade). A
Psicofísica estava em voga.
Ernst Mach (1838-1916), físico, e Chrinstiam von Ehrenfels
(1859-1932), filósofo e psicólogo, desenvolviam uma psicofísicacom estudos sobre as sensações (o dado psicológico) de
espaço-forma e tempo-forma (o dado físico) e podem ser consideradoscomo os mais diretos antecessores da Psicologia da Gestalt.
Max Wertheimer, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka, baseados nos
estudos psicofísicos que relacionaram a forma e suapercepção, construíram as bases de uma teoria eminentemente
psicológica.
Eles iniciaram seus estudos pela percepção e sensação do
movimento. Os Gestaltistas estavam preocupados emcompreender quais os processos psicológicos envolvidos na
ilusão de ótica, quando o estímulo físico é percebido pelo sujeito comuma forma diferente do que ele é na realidade.
É o caso do cinema. Uma fita cinematográfica é composta de
fotogramas com imagens estáticas. O movimento que vemosna tela é uma ilusão de ótica causada pelo fenômeno da
pós-imagem retiniana (qualquer imagem que vemos demora um pouco parase 'apagar' em nossa retina). As imagens vão se sobrepondo
em nossa retina e o que percebemos é um movimento.
Mas o que defato é projetado na tela é uma fotografia estática, tal como
uma seqüência de slides.
A PERCEPÇÃO
A percepção é o ponto de partida e um dos temascentrais dessa teoria. Os experimentos com a percepçãolevaram os gestaltistas ao questionamento da psicologiaassociacionista.
O Behaviorismo, dentro de sua preocupação com aobjetividade, estuda o comportamento através da relaçãoestímulo-resposta, procurando isolar um estímulo unitário
quecorresponderia à uma dada resposta e desprezando osconteúdos da consciência, pela impossibilidade de controlarcientificamente essas variáveis.
A Gestalt entende que é de suma importância adisposição em que são apresentados à percepção os
elementos unitários que compõem o todo. Uma de suasformulações bastante conhecidas é a de que "o todo édiferente da soma das partes". Ou seja, a percepção quetemos de um todo não é o resultado de um processo desimples adição das partes que o compõem.
A indissociabilidade da parte em relação ao todopermite que quando vemos o fragmento de um objeto ocorrauma tendência à restauração do equilíbrio da forma,proporcionando assim o entendimento do que foi percebido.
Esse fenômeno perceptivo é norteado pela busca defechamento, simetria e regularidade dos pontos quecompõem uma figura (objeto).
Rudolf Arnheim1dá um bom exemplo da tendência àrestauração do equilíbrio na relação parte-todo: "De
que modoo sentido da visão se apodera da forma? Nenhuma pessoadotada de um sistema nervoso normal apreende a formaalinhavando os retalhos da cópia de suas partes (...) o
sentido
normal da visão apreende sempre um padrão global".
Os fenômenos perceptivos que encontramos nasfiguras abaixo são explicados pelos psicólogos da Gestalt como sendo regidos pela lei básica da percepção visual:qualquer padrão de estímulo tende a ser visto de tal modo
quea estrutura resultante é tão simples quanto as condiçõesdadas permitem.
1 Arnheim, R. Arte e percepção visual: uma psicologia davisão criadora. São Paulo: Pioneira e EDUSP, 1980.Percebemos
a figura 1 como um quadrado e não como uma figura inclinada ou um perfil (fig.
2) apesar dessas últimastambém conterem os quatro pontos. Se forem acrescentados
mais quatro pontos à figura 1, o padrão mudará e então perceberemosum círculo (fig. 3). Na figura 4 é possível ver círculos ou
quadrados brancos no centros dos traços em forma de cruz, mesmo não
havendo vestígios de seus contornos.
A BOA-FORMA
A partir desses fenômenos da percepção a Gestaltprocura explicar como chegamos a compreender aquilo quepercebemos. Se os elementos percebidos não apresentamequilíbrio, simetria, estabilidade, simplicidade eregularidade, não será possível alcançar a boa-forma.
O elemento que objetivamos compreender deve serapresentado em seus aspectos básicos, de tal maneira que atendência à boa-forma conduza ao entendimento. Essaformulação representa uma das conseqüências pedagógicasda psicologia da Gestalt.
O exemplo da figura 5 ilustra a noção de boa-forma.Temos a convicção de que o segmento de reta a é maior queo segmento de reta b, mas a realidade é que ambos têm omesmo comprimento, e portanto estamos diante de umailusão de ótica provocada por um efeito de campo.
Para tirar qualquer dúvida você pode medir as retasou desenhar inicialmente duas retas paralelas com o mesmocomprimento e posteriormente acrescentar os demais traçosque constituem a figura. Faça o teste! É importante destacarque depois de nos certificarmos de que se trata de uma
ilusão,
mesmo assim continuamos sendo iludidos.
A maneira como estão distribuídos os elementos quecompõem as duas figuras não resultam em uma configuraçãocom equilíbrio, simetria, estabilidade, regularidade esimplicidade suficientes para garantir a boa-forma. Ou seja,nesse caso as leis que comandam o funcionamento dapercepção nos impedem de perceber a realidade tal qual ela é. Em outros casos, mais favoráveis, são essas mesmas leisperceptivas que nos permitem compreender a realidade. Atendência da percepção em buscar a boa-forma permitirá arelação figura-fundo. Quanto mais clara estiver a forma
(boa-forma), mais clara será a separação entre figura e fundo.
Quando isso não ocorre, torna-se difícil distinguir o que éfigura e o que é fundo, como é o caso da figura 6. Nessafigura ambígua o que é figura em um momento torna-se fundoquando logo a seguir centramos o foco da percepção no outroaspecto. É importante destacar que não é possível ver a taça
e os perfis ao mesmo tempo. Fig.6
CAMPO PSICOLÓGICO
O campo psicológico é entendido como um campo de forças
que atua na percepção, nos levando a procurar a boa-forma.
Figurativamente podemos relacioná-lo a um campo magnético
criado por um imã (a força de atração e repulsão). Esse campo de
força psicológico tem uma tendência que garante a busca da
melhor forma possível em situações que não estão muito estruturadas.
Esse processo ocorre de acordo com os seguintes princípios:
INSIGHT
A psicologia da Gestalt entende a aprendizagem como uma
decorrência da forma como as partes estão organizadas no todo.
As teorias associacionistas entendem que a aprendizagem
ocorre através da associação de elementos que anteriormente estavam isolados e
assim, por um processo aditivo, passa-se de um conhecimento simples a um
complexo.
Os métodos de alfabetização podem nos auxiliar a pensar
algumas questões relativas a diferentes maneiras de conceber a
aprendizagem. Os chamados métodos sintéticos entendem que
deve-se inicialmente ensinar a criança a nomear, grafar e reproduzir ovalor sonoro de todas as letras (elementos mais simples) e,
depois disso, ela estará apta a associar as letras entre si para formar
sílabas. Na seqüência ela associará sílabas entre si para
formar palavras e finalmente formará orações. Os chamados métodosanalíticos seguem um caminho exatamente oposto pois
primeiramente é apresentado o todo (palavra, frase ou texto), enquantounidade de significação, e somente após partem para o exame
das partes e das relações que elas mantém entre si para formarem
esse todo.
Quanto à questão do insight, podemos dizer que nem sempre as
situações vividas por nós apresentam-se de forma clara quepermitam uma compreensão imediata. Essas situações
dificultam a aprendizagem porque não permitem uma definição da figura-fundo, impedindo a relação parte-todo.
Acontece, às vezes, de estarmos olhando uma figura ou
estarmos pensando em algo que nos parece bastante obscuro e, derepente, sem que tenhamos tido qualquer processo de
compreensão aditivo (somando as partes mais simples), a relação figura-fundoelucida-se.
A esse fenômeno é dado o nome de insight. O termo designa
uma compreensão imediata e súbita.
FIM
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A INTELIGÊNCIA E A PERCEPÇÃO
Fragmentos do capítulo 3 de:
PIAGET, Jean. Psicologia da inteligência. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1958. pág. 83-92
A percepção é o
conhecimento que temos dos objetos ou dos movimentos por contato direto e
atual. (...)
Segundo a Gestalt, as estruturas intelectuais preexistem no
todo ou em parte, desde o primeiro momento, sob a forma deorganizações comuns à percepção e ao pensamento. Essa teoria
descreve as leis da estruturação do conjunto que regem tanto apercepção, a motricidade e as funções elementares, como o
próprio raciocínio e, particularmente, o silogismo (Wertheimer). (...)
A hipótese de uma relação estrita entre a percepção e a
inteligência foi sustentada, em todos os tempos, por alguns erejeitada por outros. Somente no século passado os autores
iniciaram a buscar apoio experimental para suas teses, sendo queanteriormente inúmeros filósofos refletiram sobre esta
questão. (...)
Hering (respondendo a Helmholtz) afirmava que a intervenção
do conhecimento intelectual em nada modificava umapercepção. Experimentamos a mesma ilusão de ótica mesmo
depois de conhecer os valores objetivos dos dados percebidos. Assimconcluía que o raciocínio não intervém na percepção. (...)
Von Ehrenfels descobriu, em 1891, as qualidades perceptivas
do conjunto, tais como a de certa melodia que se reconhece,embora uma transposição modifique todas as notas (não
podendo nenhuma sensação elementar permanecer a mesma). (...)
Podemos esperar, segundo a escola de Berlim, uma explicação
acerca da inteligência a partir das estruturas perceptivas, aoinvés de fazer intervir, de maneira incompreensível, o
raciocínio na percepção como tal. (...)
A teoria da forma renovou a posição de um grande número de
problemas e sobretudo forneceu uma teoria completa sobre a
inteligência que permanecerá, mesmo para os seus
adversários, um modelo de interpretação psicológica coerente.
A idéia central da teoria da forma afirma que os sistemas
mentais jamais se constituem pela síntese ou pela associação deelementos, dados em estado isolado, antes de sua reunião,
mas consistem sempre em totalidades organizadas, desde o início, sobuma forma ou estrutura de conjunto. Assim, uma percepção não
é mais síntese das sensações prévias: ela é regida em todos osníveis por um campo, cujos elementos são interdependentes
pelo mesmo fato de serem percebidos em conjunto. Um só ponto negro,por exemplo, visto numa grande folha de papel, não seria
percebido como elemento isolado, embora único, conquanto se destaquecomo caráter de figura sobre um fundo constituído pelo
papel, e pelo fato de que esta relação, figura x fundo, supõe a organização do
campo visual inteiro. Isto é tanto mais certo quando, a
rigor, poderíamos ter visto a folha, como o objeto (a figura) e o ponto negro,como um buraco, isto é, como a única parte visível do fundo.
Por que então preferimos o primeiro modo de percepção? E por que seem vez de um ponto, víssemos três ou quatro bem próximos,
não poderíamos reuni-los em forma virtual de triângulos ouquadriláteros? Porque os elementos percebidos em um mesmo
campo são, imediatamente, ligados em estruturas de conjunto,obedecendo a leis precisas, que são as leis de organização.
Estas leis de organização que regem todas as relações de um
campo são, na hipótese gestaltista, apenas leis de equilíbrio,regendo, ao mesmo tempo, as correntes nervosas, determinadas
pelo contato psíquico com os objetos exteriores, e pelos própriosobjetos, reunidos num circuito total, abarcando, pois,
simultaneamente, o organismo e seu meio próximo. Assim, deste ponto de vista um campo perceptivo (ou motor, etc.) é comparável a um campo
de forças (eletromagnéticas, etc.) e é regido por princípios análogosde mínimum, de mínima ação etc. Em presença de múltiplos
elementos imprimimos-lhe, então, uma forma de conjunto que não é umaforma qualquer, mas a mais simples possível que exprime a
estrutura de campo; serão pois as regras de simplicidade, deregularidade, de simetria, de proximidade etc. as que
determinarão a forma percebida. Daí uma lei essencial chamada de prenhez detodas as formas possíveis, a que se impõe é sempre melhor, a
melhor equilibrada. Demais, uma boa-forma é sempre suscetível deser transposta, exatamente como a melodia, da qual mudamos
todas as notas. Mas esta transposição, que demonstra aindependência do todo em relação às partes, explica-se
também pelas leis de equilíbrio: as relações são as mesmas entre os novos
elementos que terminam na mesma forma de conjunto que as
relações entre elementos anteriores, não graças a um ato decomparação, mas a uma reformação do equilíbrio, exatamente
como a água de um canal, que recobra a mesma forma horizontal, masem níveis diferentes, depois da abertura de cada comporta. A
caracterização dessas boas-formas, bem como o estudo dessastransposições, provocaram inúmeros trabalhos experimentais,
de verdadeiro interesse.
O que se deve notar, antes de tudo, como essencial à teoria,
é que as leis de organização são concebidas comoindependentes do desenvolvimento, e, por conseguinte, comuns
a qualquer nível. Fácil é de perceber esta afirmação, se a limitarmosà organização funcional ou equilíbrio sincrônico dos
comportamentos, pois a necessidade desse último rege os níveis em qualquergrau. (...) Assim é que os psicólogos da Forma se
esforçaram, acumulando impressionante material, para mostrar que as estruturasperceptivas são as mesmas na criança e no adulto e,
sobretudo, nos vertebrados de qualquer categoria. (...)
Três aplicações da teoria da forma ao estudo da inteligência
devem ser especialmente consideradas: a de Köhler, sobre ainteligência sensório-motora, a de Wertheimer, sobre a estrutura
do silogismo, e a de Duncker sobre o ato da inteligência em geral.Para Köhler a
inteligência aparece quando a percepção não se prolonga diretamente em
movimentos suscetíveis deassegurar a conquista do objetivo. Um chimpanzé, na sua
jaula, procura alcançar uma fruta que se encontra fora do alcance de suamão; uma objeto intermediário é então necessário, e o seu
emprego definirá a complicação própria da ação inteligente. Em queconsiste esta última? Se um bastão for posto à disposição do
símio, mas numa posição qualquer, será visto como um objetoindiferente. Colocado paralelamente ao braço poderá ser
subitamente percebido como possível prolongamento da mão. Até entãosem significação, o bastão passa a tê-la, pelo fato de sua
incorporação na estrutura do conjunto. O campo, pois, passará a serreestruturado e essas súbitas reestruturações caracterizam,
segundo Köhler, o ato da inteligência: a passagem de uma estrutura piorpara uma melhor constitui a essência da compreensão, simples
continuação, conseqüentemente, mas mediata ou indireta da própriapercepção.
Este mesmo princípio explicativo encontramos em Wertheimer,
na sua interpretação gestaltista do silogismo. A premissamaior é uma forma comparável a uma estrutura perceptiva.
Todos os homens constitui um conjunto que se representa centrado nointerior do conjunto de mortais. A premissa menor procede do
mesmo modo: Sócrates é um indivíduo centrado no círculo de homens.
A operação que tirará de tais premissas a conclusão:
portanto, Sócrates é mortal, vem, conseqüentemente, apenas estruturar oconjunto, fazendo desaparecer o círculo intermediário
(homens), depois de tê-lo situado com seu conteúdo no grande círculo (osmortais). O raciocínio é pois uma recentração: Sócrates é
como descentrado da classe de homens para tornar a recentrar-se na
classe dos mortais. O silogismo depende assim da organização
geral das estruturas. (...)
Finalmente, Duncker estuda as relações dessas compreensões
bruscas (Einsicht, Insight ou reestruração inteligente) com aexperiência, para dar o tiro de misericórdia no empirismo
associacionista, que a noção de Gestalt contradiz desde o princípio. Ao
analisar os diversos problemas da inteligência ele conclui
que em todos os domínios a experiência adquirida desempenha um papel somente secundário no raciocínio. A experiência não tem
significação para o pensamento, senão em função da organização atual. Aestrutura do campo presente determina os possíveis apelos às
experiências passadas, ora tornando-as inúteis, ora disciplinando umaevocação e uma utilização das recordações. O raciocínio é,
assim, um combate que forja suas próprias armas, e tudo se explica porleis de organização, independentes da história do indivíduo,
assegurando, no total, uma unidade profunda das estruturações do todonível, desde as formas perceptivas elementares as suas mais
altas formas de pensamento. (...)
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UFRGS - FACED - Psicologia da Educação I - Professor Paulo
Francisco Slomp - slomp@ufrgs.br
http://www.ufrgs.br/psicoeduc
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* Observe que os fragmentos acima foram selecionados de
maneira a fornecer apenas uma descrição da psicologia da Gestalt. Para
uma maior compreensão crítica remetemos o leitor ao texto
fonte e também ao artigo de Piaget "O que subsiste da teoria da
Gestalt".
In Problemas de Psicologia Genética. São Paulo: Abril
Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores)
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